Newsletter

    Menu Principal

    Espiritismo e Formação Política

    Espiritismo e Formação Política

    "As injustiças sociais, geradas pela brutalidade egocêntrica, não podem ser sanadas por uma brutalidade sociocêntrica.

    Só um homem-humano poderá construir uma sociedade humana.

    A filosofia da ação que o Espiritismo nos oferece é o caminho dessa realização, mas esse caminho só pode ser seguido pelos espíritas conscientes da responsabilidade doutrinária."

    J. Herculano Pires

    O presente trabalho visa principalmente despertar o cidadão, espírita ou não, do torpor político que nos invadiu a todos após o regime militar vivido pelo país até poucos anos.

    Não é obra com pretensões literárias, mas uma colaboração para a construção do cidadão pleno, indispensável para a edificação de uma sociedade melhor, mais humana e mais fraterna.

    # Ajude a compartilhar este artigo!

    Tudo que você pensa, sente, fala e faz, está GRAVADO ...Veja Aqui!

     

    Espiritismo e Formação Política

    Paulo R. Santos *

                                                                                                              Pg.

    Apresentação:..................................................................................

    I -  PARTE:                                             

    -   Introdução...................................................................................

    1 - Para se entender a política........................................................

    2 - Castas e classes sociais - a ideologia........................................

    3 - Cidadania...................................................................................

    4 - Direitos civis, políticos e sociais..............................................

    5 - Regimes políticos .....................................................................

    6 - Partidos políticos - "centro, direita e esquerda".......................

    7 - Ética e participação política......................................................

    II -  PARTE:

     8 - Visão espírita da política............................................................

     9 - A política nas obras de Allan Kardec.........................................

    10- A atuação política do espírita.....................................................

    11- Capitalismo ou socialismo?........................................................

    12- O movimento espírita como mecanismo de pressão política....

    13- Os problemas sociais e o Espiritismo........................................

    14- O que fazer?................................................................................

    - Bibliografia.....................................................................................

    Apresentação.

     

                "As injustiças sociais, geradas pela brutalidade egocêntrica, não podem ser sanadas por uma brutalidade sociocêntrica. Só um homem-humano poderá  construir uma sociedade humana. A filosofia da ação que o Espiritismo nos oferece é o caminho dessa realização, mas esse caminho só pode ser seguido pelos espíritas conscientes da responsabilidade doutrinária."

    1. Herculano Pires

    O presente trabalho visa principalmente despertar o cidadão, espírita ou não, do torpor político que nos invadiu a todos após o regime militar vivido pelo país até poucos anos. Não é obra com pretensões literárias, mas uma colaboração para a construção do cidadão pleno, indispensável para a edificação de uma sociedade melhor, mais humana e mais fraterna.

    Partimos do princípio que o eventual leitor não tem formação na  área e, por isso, a primeira parte consta de capítulos de caráter teórico e informativo. A segunda, de capítulos de conteúdo doutrinário e objetiva justificar a participação do leitor nas atividades comunitárias  de forma consciente e plena. Cidadania é a palavra chave e ética o seu indispensável complemento.

    Além disso, pedimos licença para analisar uma ou outra situação do cotidiano de todos nós. Problemas que se generalizam, situações críticas aparentemente insolúveis indicando uma sociedade em acelerado processo de transformação, por isso a análise  objetiva principalmente aclarar certos lances dessa transformação e apontar eventuais aspectos positivos para o futuro, sem carregar  nas tintas, mas também sem adoçar a realidade para criar um clima de falso otimismo. É preciso ver a realidade tal qual ela é, com coragem e disposição para modificá-la em tudo que for possível, tendo a paciência de aguardar o trabalho do tempo e a ação da Providência Divina.

    Em síntese, é um esforço para a (auto)desalienação, que consiste na libertação interior, no livrar-se de preceitos e preconceitos inúteis; liberar-se da ideologia dominante em tudo aquilo que não é útil para o progresso humano, de tudo que nos atrasa, nos perturba e confunde. A vida do homem na Terra pode ser mais feliz, mas o trabalho de construção da sociedade nova está apenas começando e todos podemos ajudar.

                                                                                     

                                                                                      O autor.

                            I PARTE

               

                            Introdução

    Dizem que os mortos governam os vivos, no sentido de que as tradições e os costumes, as artes e as ciências, encontram-se profundamente impregnadas do pensamento daqueles que passaram por aqui, deixaram seus ensinos e se foram. Vivemos e compreendemos a realidade a partir da Ética que nos foi legada pelos expoentes do pensamento humano. Afinal, quem negaria que Sócrates, Platão e Santo Agostinho, Maquiavel, Locke e Rousseau, dentre inúmeros outros, estão vivos e irrigando nosso cotidiano?

    Diante dos impasses enfrentados por uma sociedade de fim de século e de milênio, seja no campo político, econômico ou social, surge de forma natural o desejo de revitalizar o pensamento daqueles que nos antecederam em todos os campos do conhecimento e fazer uma releitura de seus escritos de modo a lançar alguma luz sobre os angustiantes problemas da atualidade. Não é o caso de se buscar culpados, mas de verificar onde possivelmente pegamos a via marginal ou ainda, onde não os interpretamos corretamente. Pode-se mesmo falar de Pós-modernidade, mas é certo que ainda vivemos sob o impacto da Modernidade, com todas as suas contradições e promessas não cumpridas.

    O Renascimento italiano e a Reforma luterana, que inauguram a Modernidade em seu sentido amplo, gerou uma crise de crescimento no homem ocidental. O antropocentrismo pós-renascentista trouxe consigo uma série de questões que foram gradualmente abordadas por vários pensadores, no intuito de propiciar uma melhor convivência humana, ora resgatando valores da Antigüidade clássica, ora engendrando novos valores. Vivemos uma época em que a reflexão acerca do fenômeno humano se torna vital, essencial para o direcionamento da própria existência. Reavaliar valores, repensar objetivos e criar novos, romper com uma tradição esclerosada e tentar atravessar a turbulência gerada pela crise de crescimento - agora de toda a humanidade - de modo a passar pela pré-história do terceiro milênio senão incólumes, pelo menos mais capacitados a construir uma sociedade mais humana e mais justa.

                                      

    Capítulo 1 - Para se entender a política

                "A participação eleitoral tem um grande valor educativo; é através da discussão política que o operário, cujo trabalho, repetitivo e concentrado no horizonte limitado da fábrica, consegue compreender a conexão existente entre eventos distantes e o seu interesse pessoal e estabelecer relações com cidadãos diversos daqueles com os quais mantém relações quotidianas, tornando-se assim membro de uma comunidade".

                (Stuart Mill - 1806/1873 - Filósofo e economista inglês).      

    A política como instituição é algo que os gregos antigos criaram. Até então o Estado se confundia com a pessoa do governante. Seus desejos e caprichos pessoais representavam a vontade geral. A palavra do governante era a palavra final acerca de tudo. Em várias culturas ele confundia-se com a própria divindade, sendo seu representante na Terra.

    Os gregos separaram a função política da pessoa do governante, atribuindo a este obrigações para com seu povo e uma certa praxis estabelecida pela vontade senão de todo o povo, pelo menos por uma parte dele. O Rei já  não podia tudo. Devia submeter-se a um Conselho e suas determinações necessitavam do apoio dos representantes da nação. Criaram o espaço público, domínio dos conflitos e interesses divergentes e o espaço privado, onde prevalecia a vontade pessoal. O Estado exerce seu poder no espaço público, administrando o interesse coletivo, tendo soberania sobre o território e, normalmente, o monopólio do uso exclusivo da força. No espaço privado, na casa e na vida familiar, as normas são aquelas da cultura geral, da religião e dos costumes.

    As variações do exercício da política ao longo da história humana são inúmeras e detalhá -las foge ao objetivo desta obra. O Império Romano, que tinha seus pilares de sustentação nos conceitos de família e Estado cedeu o lugar, após o século V, à Idade Média, quando o princípio da lealdade e o vínculo com a terra se fizeram a base da sustentação social. Com o esgotamento do Feudalismo, por volta do século XV, surge uma nova etapa evolutiva para a humanidade, principalmente ocidental, pois convém ressaltar que o Islã evoluíra bastante em termos tanto científicos quanto culturais. Durante a nossa Idade Média, os árabes avançavam na Astronomia, na Matemática, na Medicina etc.

    As viagens marítimas e o descobrimento de novas terras, aliados ao despertar cultural do período chamando Renascimento deram um novo e forte impulso ao progresso social. Muitos são os pensadores que  passam a fecundar a sociedade com novas idéias, a ciência ressurge, o homem é valorizado e o poder religioso começa a vacilar. A Reforma luterana liberta o pensamento da  escolástica medieval e contribui para o avanço geral. O custo social dessa renovação de valores é elevado, as guerras religiosas ensangüentaram o solo europeu, mas propiciaram a colonização de novas terras.

    È por essa época que começam a surgir os Estados nacionais. A contribuição de vários pensadores foi fundamental para o fortalecimento do conceito de política como o entendemos hoje. A começar pelo florentino Maquiavel (século XVI), cuja influência no pensamento político é inegável, fez dela, a Política, uma ciência  ao afirmar que ela possui "leis" próprias e uma ética própria, sem vínculos com a religião ou com a Moral. Maquiavel, como Hobbes, não se preocupa tanto com a "natureza" do homem, mas com a "condição" do homem, suas necessidades ilimitadas e seus interesses sem fim.

    Nesse contexto histórico surge a preocupação com uma nova ordem política, quando dois termos passam a fazer parte das cogitações de vários filósofos: a democracia e a liberdade. Possivelmente, não existem palavras de sentido mais duvidoso e discutível no vocabulário  moderno do que essas. Tornaram-se etiquetas que têm servido a todos os tipos de tirania e de ações demagógicas. Em nome da democracia surgiram muitos regimes de exceção e a liberdade tem se prestado para todos os tipos de artifícios ideológicos, inclusive o de suprimir a liberdade.

    Mas, retornando aos clássicos, dentre os chamados contratualistas, ou seja, aqueles pensadores que entre os séculos XVI e XVIII afirmaram que a origem do Estado e da sociedade está  num "contrato" estabelecido entre as partes, destaca-se Thomas Hobbes (século XVII), tido como o fundador do Estado autoritário. Hobbes se aproxima de Maquiavel na concepção do homem como um ser simultaneamente bom e mau. Para Maquiavel e Hobbes as necessidades (ligadas ao instinto) igualam os homens, enquanto que a ambição (ligada à razão) os diferencia. Nesse sentido, os saques que os famintos e despossuídos promovem são vistos como atos hobbesianos, pois são movidos pela necessidade. Os atos de corrupção política estariam ligados a ambição.

    Os franceses Montesquieu e Rousseau, ambos do século XVIII, além de Kant, Hegel, Toqueville, Stuart Mill e Marx, no século XIX, mereceriam uma releitura atenta por parte daqueles que desejam conhecer melhor o assunto. Quanto a Karl Marx (1818-1883), é inegável sua contribuição para o pensamento político e econômico da humanidade.

    Marx foi um incendiário do pensamento humano. A filosofia pós-marxista jamais será a mesma. Foi um inconformista que buscou em pensadores que o antecederam munição intelectual para trabalhar por séculos, não fossem os limites impostos pela natureza.  O "mouro", como era chamando devido à sua pele morena, deixou seguidores e continuadores ao longo do século XX; Rosa Luxemburg (1871-1919), T. Adorno, Walter Benjamin, Jurgen Habermas (membros da chamada Escola de Frankfurt), Herbert Marcuse (1900-1979), um dos motores dos movimentos estudantis da década de 1960, e Antônio Gramsci (1891-1937), que na prisão fascista reinterpretou a cultura, possibilitando a partir daí a crítica aos intelectuais.

                                                                           *

    Concordando ou não com eles, constituem parte do patrimônio cultural da humanidade e talvez ainda possam contribuir para a construção de um novo paradigma. Pode ser que uma civilização em crise necessite de uma nova classe, não a tecnocracia esclerosada mas, após a gerontocracia da Antigüidade, do poder obtido e mantido pela força bruta, do poder exercido graças a pretensos direitos de nascimento, da atual aristocracia do dinheiro (a plutocracia), é possível que as preocupações com princípios éticos, aliados às necessidades crescentes de conhecimento, conduzam ao surgimento de uma nova aristocracia, que  expresse a inteligência temperada pela sabedoria, criando assim possibilidades bem melhores para o futuro.

    Capítulo 2 - Castas e classes sociais - a ideologia.

                "Está  portanto provado que, pelo menos na história moderna, todas as lutas políticas são lutas de classes e que todas as lutas que no seu termo emancipam classes, apesar da sua forma necessariamente política - porque qualquer luta de classes é uma luta política -, giram, em última análise,  em torno de uma emancipação econômica".

                (Friedrich Engels - 1820/1895 - filósofo alemão)

    Partindo do ponto de vista do observador, o surgimento das castas e das classes sociais, bem como de todo tipo de estratificação social, se dá  pelo que se pode denominar de "proximidade psicológica", ou seja, a comunhão de valores, de interesses e de objetivos. As pessoas postas aproximadamente nos mesmos escalões da vida social entram mais facilmente em contato e num nível de compreensão mútuo do que as pessoas socialmente mais distantes.

    A casta é definida pelo Dicionário de Sociologia indicado em nossa bibliografia como: "1 - Classe rigidamente fechada, que se baseia em identidade de profissão e cujos membros são determinados por nascimento e proibidos de casar-se fora dela; é grupo de acomodação. 2 - Ver classe. 3 - No hinduísmo, ‚ uma distinção hereditária  de classe que se caracteriza pelo rigor com que se proscreve a mobilidade dos indivíduos de uma classe para outra. Os indivíduos de castas diferentes nem se podem comunicar entre si, sob pena de se contaminarem. O sistema de castas se abrandou quase por toda parte nas chamadas classes sociais, que não se apresentam mais severamente fechadas como aquelas. Entretanto, as castas ainda vigoram na Índia, como fundamento religioso, visto como os hindus supõem que os homens provieram da cabeça, do peito, dos membros de Bhrama ou de seus pés, formando daí as castas chamadas: brâmanes,  xatrias, vaixias e sudras. Fora dessas castas estão os párias."

    No mesmo livro temos a seguinte definição para  Classe: "1 - Grupo de indivíduos  caracterizado, em determinada sociedade, pelo nível de vida, pelos direitos ou privilégios e, sobretudo, pelo papel na produção econômica: a classe operária. Distingue-se de casta, grupo hereditário que implica estratificação de base religiosa. 2 - denominação genérica  dos diversos setores, estratos ou camadas de que se compõe a sociedade. Atualmente, nos países civilizados, com raríssimas exceções, como a da Inglaterra para a aristocracia, tais classes não são hereditárias. Pelo contrário, assinalam-lhe os sociólogos o caráter de permeabilidade, pelo qual se intercomunicam, mudando os indivíduos de classe social, seja pelo casamento, seja pelo triunfo profissional ou por alteração de fortuna. Distinguem-se, hoje em dia, três grandes classes sociais, cujas denominações respectivas variam conforme a tendência, seja de esquerda ou de direita. Denominações esquerdistas:  1 - Grande burguesia. 2 - Pequena burguesia. 3 - Proletariado. Denominações direitistas: 1 - Classe conservadora, classe abastada, elite. 2 - Classe média. 3 - Classe operária, proletariado. Essas classes se diferenciam por verdadeiros níveis, a cuja altura os indivíduos se consideram socialmente iguais pela semelhança do padrão econômico, profissional, educacional, de atitude moral, de etiqueta social, de afiliação política, de localização residencial e de qualidade e quantidade de bens de consumo utilizados. É grupo de acomodação". Acomodação é o processo que leva à cessação dos conflitos entre indivíduos ou entre os grupos. Promove a adaptação do indivíduo ao meio social em que vive ou se encontra. Isso pode acontecer de forma espontânea ou por meios coercitivos, como é o caso da legislação que tem por objetivo acomodar a diversidade de interesses e, assim, estabilizar o convívio social. A questão que envolve os partidos de "centro", "direita" e " esquerda" será  abordada em capítulo próprio.

    Quanto à palavra ideologia, esta já  recebeu várias definições. Dentro dos objetivos desse trabalho é suficiente entender que é a visão de mundo que cada um de nós carrega, como resultado da educação e da formação cultural. Dito de outro modo, é o conjunto de crenças, valores e idéias de um determinado grupo ou classe social. Isso nos leva a pensar, sentir e agir de forma diferenciada, a partir de nossa visão de mundo, isto é, de nossa ideologia.

    A ideologia pode fazer de um homem um racista, um nazista ou um machista em gradações muito variadas em função do temperamento de cada pessoa.

    A ideologia é uma falsa consciência. Isso quer dizer que podemos interpretar os acontecimentos de forma distorcida dependendo de nossa ideologia. É como se entre o olho que observa e o objeto observado, digamos uma vela, houvesse uma lente. Se for uma lente côncava a imagem será  uma, se for convexa será  outra. Se a lente for colorida as alterações da percepção poderão ser ainda maiores, conforme a cor. O anti-semitismo é um exemplo de ideologia sinistra, gerada por uma visão distorcida da natureza humana.

    Partindo do exposto o leitor poderá  compreender por que as visões de mundo são tão diversas; as formas de pensar e agir, por vezes, tão disparatadas aos nossos olhos. O canibal que se alimenta de carne humana não se sente culpado, o fanático religioso que se imola pela sua crença também  não, tanto quanto o terrorista acredita que o que faz é correto.

    Quando escolhemos uma religião, uma profissão, uma filiação partidária ou um modelo de vida, estamos escolhendo também modos de pensar e agir, portanto, estamos escolhendo ideologias. Podem surgir conflitos existenciais, impasses momentâneos, devido a alterações ideológicas, principalmente no campo da religião e da política, cujas implicações no nosso dia-a-dia são muito grandes.

    Capítulo 3 - Cidadania.

                - "A lei, ora a lei!" (Getúlio Vargas).

                - "O Estado sou eu" (Luís XIV).

    As frases acima demonstram bem o desprezo que os governantes podem ter pela Justiça e pelo Direito. Cidadania é uma questão de politização, de conhecimento dos próprios direitos  e deveres e a disposição para reivindicá-los. Aprende-se a ser cidadão no exercício da própria cidadania.

    A participação popular deve ser intensificada através de organizações saídas da própria sociedade civil. O mais importante é saber que, ao lado dos poderes oficiais, do município, do estado ou da União, das elites econômicas, o povo desenvolve um poder alternativo. Uma forma de pressão "de baixo para cima" que leva aqueles que se encontram no poder a realizar coisas em benefício da comunidade. Observe-se que, atualmente, há  muito mais preocupação com a qualidade dos produtos que os fabricantes põem no mercado. Até bem pouco tempo atrás, comprávamos o que estava disponível e, muitas vezes, sem ter a quem recorrer caso o produto apresentasse problemas e sequer o direito de reclamar existia em muitos casos.

    Cidadania e democracia andam juntas e sempre serão inseparáveis. A Constituição brasileira de 1988 contém a "iniciativa popular de projetos de leis", através da manifestação do eleitorado, mediante uma quantidade mínima de indivíduos. Isso é um avanço no campo da cidadania, pois no Brasil, especialmente, após as eleições nos tornamos apáticos e conformistas, e a maioria nem sequer se lembra  em quem votou. Esse estado de coisas é que permite a manipulação, a demagogia (companheira inseparável da democracia), a hipocrisia e o cinismo de muitos candidatos e representantes do povo.

    A pergunta que surge é a seguinte: Já  que cidadania tem a ver com politização e politização relaciona-se com educação, quem educa o cidadão? A escola, os meios de comunicação, a família e a sociedade podem nos impregnar de uma ideologia contrária à cidadania plena. Quantas vezes ouvimos pessoas dizerem que tal ou qual questão é assunto de políticos e não do povo, como se o povo fosse um rebanho a ser conduzido para qualquer lugar por qualquer um. Cidadania implica responsabilidade social, fiscalização do uso do dinheiro e recursos públicos (do povo), da atuação de cada político após a eleição.

    A tradição cultural do Brasil - colonialismo, arbítrio, coronelismo, jesuitismo e militarização do poder político - tornam a cidadania uma ameaça aos interesses das oligarquias que se perpetuam no poder. Tais grupos, fechados em seus próprios interesses, dificultam a reformulação da política educacional do país, preocupados com a função política da educação, isto é, da libertação do indivíduo, da sua transformação em cidadão consciente e atuante, politizado e responsável pelos rumos da nação.

    A situação brasileira nesse campo é paradoxal na atualidade. O amadurecimento político gerado pelas dores coletivas das últimas décadas convive com o desinteresse pela ação política. A classe política encontra-se quase em total descrédito o que leva a maioria dos cidadãos  e eleitores a nivelar por baixo todos os políticos, o que não é justo. A omissão política é um crime contra a sociedade e aqueles que assim agem comprometem o seu futuro e o futuro das próximas gerações.

    Praticamos cidadania quando nos mobilizamos para afastar um governante corrupto, quando nos solidarizamos com os atingidos por calamidades naturais, quando nos movimentamos em favor de um benefício que atenda à comunidade, como asfaltamento de ruas, construção de postos de saúde, melhoria do serviço de segurança pública, quando nos insurgimos contra a arbitrariedade daqueles que têm o poder de polícia e tudo o mais que possa representar um crescimento na qualidade de vida da comunidade.

    Somos todos co-responsáveis pela sociedade em que vivemos. O omisso por ignorância tem atenuantes, mas o omisso voluntário que rejeita passionalmente a sua colaboração para com a coletividade em que vive, como se fosse uma ilha, é um egoísta e, em muitos casos, um parasita da sociedade, igual àqueles políticos que ele critica.

    A participação popular tem aumentado com as organizações saídas da própria sociedade civil, como já  nos referimos anteriormente. Essas organizações, ao colocarem seus representantes em confronto com o poder instituído tornam-se ótimas escolas de cidadania, levando a pessoa humana a conscientizar-se de que ser cidadão não é apenas ter direitos mas, também, deveres.

    Capítulo 4 - Direitos civis, políticos e sociais.

                            "Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e aos outros a miséria? R - Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com freqüência."

                                                   (O Livro dos Espíritos - Q. 814)

    O homem possui direitos fundamentais, congênitos, anteriores à existência do Estado, que nada mais é que a delegação de parte de sua liberdade para que uma instituição, o Estado no caso, a use em nome de todos. Os direitos fundamentais a que nos referimos são o direito à vida e à liberdade.

    A vida é o bem absoluto, que deve ser garantido pelo Estado e demais instituições criadas pela sociedade organizada. A pena de morte é uma aberração jurídica a pretexto de manutenção da ordem. Muitos dos motivos que levam à pena de morte são causados pela própria sociedade ou pelo Estado. A miséria, por exemplo, quando se generaliza, constitui fator de indução da violência. A violência legal, legitimada pelas leis, não encontra respaldo ético. A pena de morte não é um ato de justiça, mas um ato de vingança. Um Estado declara guerra a outro alegando pretextos fúteis, que mascaram o desejo de poder de pessoas, grupos ou classes. Um soldado se recusa a combater e pode ser levado à corte marcial e condenado à morte, no mínimo por insubordinação.

    A liberdade é um problema de ordem ética que tem dado o que pensar a muitos desde a mais remota antigüidade. Em termos simples e objetivos, podemos dizer que há  liberdade onde há  escolha. Somos livres para definir muitas coisas em nossas vidas, mas não todas. A estabilidade social impõe limites a essa liberdade. Nossa formação cultural, religiosa e mesmo política, impõem limites, por isso nossa liberdade é sempre relativa. Tão relativa que somos livres para escolher o Bem, pois se escolhermos o Mal estaremos nos insurgindo contra leis estabelecidas pela divindade e que ordenam, organizam e estabilizam o Universo. Optar pelo Mal é escolher o sofrimento reeducador que virá  mais cedo ou mais tarde.

    Há  privação de liberdade toda vez que o homem é tratado como coisa, destituído de sua humanidade. Isso é muito comum em nossos dias, infelizmente. Tecnocratas tratam seres humanos como números, o aparato policial trata pessoas como "elementos", médicos tratam seus pacientes como máquinas a serem consertadas, religiões há  que tratam seus seguidores como contribuintes.

    A luta pelos direitos é antiga. Custou um elevado número de vidas humanas. Homens que anteviram a necessidade da mudança da rota existencial em benefício da felicidade de todos. A começar por Sócrates, muitos morreram lutando pela libertação interior das pessoas. Muitos, que têm Jesus como um manso cordeiro que se submeteu passivamente ao abate, se esquecem do conteúdo alegórico desta analogia e não vêm que, nós cristãos, somos seguidores de um revolucionário, cujo poder de convencimento afetou o registro dos acontecimentos, dividindo a História em antes e depois dele.

    A primeira vitória no campo dos direitos se consolidou no século XVIII, com a garantia dos direitos civis, ou seja, basicamente o direito à vida e à liberdade. No século XIX, surgiram as primeiras conquistas no campo dos direitos políticos: o direito de participar na escolha dos governantes; o direito de votar e ser votado. É certo que o surgimento dos partidos políticos no século passado representa também um recurso usado pelas classes dominantes para quebrar o ímpeto político proveniente da Revolução Francesa, ocorrida em 1789, com conseqüências diversas para a Humanidade. Ao lado do ideário da revolução: igualdade, liberdade e fraternidade, surgiram também outras modalidades de extremismos que afetaram o cumprimento daquele ideário sócio-político.

    O século XX caracteriza-se pela busca dos direitos sociais: o direito ao trabalho, à segurança, à educação, à saúde, à seguridade social etc. Não se pode dizer que os direitos anteriores, isto é, os direitos à vida e à liberdade e os direitos políticos estão igualmente assegurados a todos e em todos os países. Principalmente as mulheres ainda são objeto de discriminação. Os direitos sociais são resultados dos embates entre o capital e o trabalho, mediados ou não pelo Estado, com resultados parciais para um e outro lado. A questão básica é a distribuição da riqueza produzida pela nação, distribuição da renda com um mínimo de justiça.

    Ainda temos aristocracias travestidas, maquiadas com outros nomes, mas sempre em luta para assegurar privilégios. Coisas de um mundo ainda atrasado moralmente, onde predomina o orgulho e o egoísmo. A conscientização do rico para que ele não se torne um escravo da riqueza, e do pobre para que este não se faça presa da revolta é um trabalho gigantesco, pois uns e outros são, antes de tudo, filhos do mesmo Pai e irmãos por laços de humanidade.

    Capitulo 5 - Regimes políticos.

                "Os filósofos sempre se preocuparam em interpretar a realidade, é preciso agora transformá -la".

                            (Karl Marx - 1818/1883 - filósofo alemão)

    Norberto Bobbio define o regime político de forma bem ampla: "Por regime político se entende o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício, bem como a prática dos valores que animam tais instituições".

    Desde Platão, no século V a. C., o homem procura criar formas de convivência que minimizem os conflitos gerados pelos interesses diversos. Em A República, Platão propõe uma sociedade de base socialista, governada por reis-filósofos. Após ele, ainda vieram muitos tentando solucionar os problemas da convivência humana, amparando-se no Estado ou não. Thomas Morus e T. Campanella navegaram pelos mesmos ideais.

    O século XIV será  uma espécie de divisor de  águas em muitos sentidos. A peste negra, que eliminou um terço da população européia, leva muitos a questionarem se as doenças eram realmente castigo de Deus ou se provinham de causas naturais. É o começo do enfraquecimento do poder teológico. A aliança dos reis com a nascente burguesia, gerada pela necessidade de comercializar com o oriente, grande fornecedor de manufaturados e condimentos, após a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, não vai apenas determinar o fim do Império Romano do Oriente, mas as grandes navegações, o contato com a cultura muçulmana, com novas formas de pensar e compreender a vida. O Renascimento italiano e a Reforma protestante vão constituir um duro golpe na mentalidade medieval. Recupera-se a cultura greco-romana, surge o antropocentrismo em oposição ao teocentrismo medieval e tudo isso vai estabelecer novas estruturas sociais.

    Os primeiros estados nacionais, surgidos da aliança entre o rei e a burguesia, unidos para combater o poder da nobreza, vai propiciar o surgimento do governo centralizado, com moeda única, imposto único e um exército nacional permanente e remunerado, além de outras coisas que viriam alterar profundamente a vida em sociedade. O receio da desorganização social gerada pela queda do poder do Catolicismo leva muitos pensadores a propor a transferência desse poder para o Estado. Aliás, eles se opunham ao poder da Igreja, que consideravam castrador e extemporâneo. Thomas Hobbes escreve o Leviatã, procurando justificar o poder autoritário do Estado, partindo do pressuposto de que o homem é mau por natureza e que precisa de um poder exterior que o contenha. O Absolutismo encontrou aí uma boa argumentação para justificar sua existência.

    Com a Revolução Inglesa de 1688, a Norte-americana, em 1776, a Francesa em 1789, a mais importante pelos seus efeitos sobre a sociedade européia e colônias espalhadas pelo mundo, e mesmo a fracassada Inconfidência Mineira, havida no mesmo ano da Revolução Francesa, buscavam libertar o homem das amarras do poder arbitrário instituído, fosse ele político ou religioso.

    Após todos esses acontecimentos, aqui apresentados numa visão panorâmica, surgem as primeiras preocupações com uma nova ordem social, política e econômica. As primeiras cogitações sobre formas mais democráticas  de convivência, com os textos de Rousseau; de controle do poder, com Montesquieu; e de distribuição de renda e fim de privilégios com os socialistas do século XIX constituem reações positivas em favor da Humanidade.

    Vê-se que a história humana dos últimos cinco séculos é cheia de altos e baixos, mas o saldo de ideais tem sido  positivo. É bem verdade que pudemos realizar muito pouco. Entretanto, o Absolutismo acabou, surgiram novos regimes como a monarquia constitucional, a democracia representativa na república presidencialista ou parlamentarista, algumas experiências comunistas que deslizaram para cruéis ditaduras de esquerda como as de Stálin e Mao Tse Tung, e as não menos cruéis ditaduras de direita como as dos generais latino-americanos, em especial no Brasil, no Chile e na Argentina, ou as de Francisco Franco na Espanha e de Salazar em Portugal.

    Importa considerar que todas essas experiências são fruto da pobreza moral que ainda impera em nosso planeta. Por aqui, ainda são os maus, "intrigantes e audaciosos", que assumem o poder, com a complacência dos bons que são "tímidos". Veja a questão 932 de O Livro dos Espíritos sobre esse tópico e complemente seu entendimento com a de número 841.

    Não pretendemos com esse capítulo levar o leitor a optar por esse ou aquele regime político, pois isso é assunto de natureza pessoal, a partir de uma reflexão madura escorada nas experiências  oferecidas pela história recente. O que almejamos é estimular o pensamento crítico sobre assuntos tão relevantes, de modo que cada um, mais que definir-se por esse ou aquele modelo econômico ou regime político, cuide para acompanhar o processo dando sua colaboração para melhorar a vida social, sendo republicano ou monarquista, presidencialista ou parlamentarista, capitalista ou comunista; mas que seja consciente de suas responsabilidades através da busca da informação correta, desapaixonada e sem conceitos previamente estabelecidos.

    Capítulo 6 - Partidos políticos - "centro, direita e esquerda".

                "Aquelas pessoas que hoje desejam buscar novas vias que superem o simplismo das soluções maniqueístas têm como norte o ideal permanente de uma sociedade onde exista liberdade política e individual, mas também que seja igualitária. E igualdade não significa necessariamente ausência de desníveis e assimetria - pois as pessoas são sempre diferentes - mas sim ausência de exploração de uns sobre outros".

                (Maria Lúcia de A. Aranha - in Temas de Filosofia, Ed. Moderna)

    Quando se fala de algum partido político quase sempre a pergunta é sobre qual a sua tendência: revolucionário, reformista ou conservador. Poucos sabem da relação existente entre essas expressões e o posicionamento à "esquerda" ao "centro" ou à "direita". Pois bem, neste capítulo pretendemos comentar de forma resumida o assunto, com o objetivo de aclarar um pouco a questão, trazendo essas expressões para a linguagem coloquial.

    A origem histórica dessas expressões relaciona-se com os anos que antecedem a Revolução Francesa. Nas assembléias gerais, o rei da França ficava no centro do salão de debates, com os representantes do povo à sua esquerda, tendo os representantes da nobreza e do clero à direita. Na condição de rei precisava manter a paz e uma relativa unidade entre os diversos segmentos da sociedade francesa de então. O povo, vivendo sob o peso dos impostos e a escassez de quase tudo, de alimentos a vestuário, exigia mudanças radicais na forma de distribuir as riquezas do país. A nobreza e o clero lutavam pela manutenção e mesmo ampliação de seus privilégios, pelo aumento de suas regalias. Uma delas era a isenção permanente de impostos.

    Numa situação virtualmente explosiva o rei procurava agradar aos dois lados embora, naturalmente, fosse levado a pender mais favoravelmente para a "direita", onde se situavam seus pares, os nobres e os representantes da Igreja Católica. Dessa disposição surgiram as expressões "esquerda" para qualificar o povo com seus interesses de mudanças radicais, de "centro" para aqueles que buscam reformas sem, contudo, aprofundar as mudanças, muitas vezes apenas mudando a fachada, e os da "direita" para referir-se aos conservadores, ciosos na defesa de seus privilégios.

    Portanto, como se vê, tais expressões denotam posicionamentos políticos de caráter bastante divergentes. Os partidos que tiveram sua origem em movimentos populares, na classe trabalhadora ou da atividade sindical operária, são chamados de partidos de esquerda, pois desejam mudanças mais profundas na estrutura sócio-política e econômica do país. Existem partidos de esquerda mais moderados e outros mais radicais. Os partidos cuja origem está, em sua maioria, na classe média urbana, nos profissionais liberais e nos pequenos empresários são chamados de centro; propõem reformas que amenizem a situação de determinadas camadas da população, sem mudanças demasiado profundas na estrutura da sociedade pois, em geral, aspiram a uma ascensão até o topo da pirâmide social. Os partidos denominados de direita, são aqueles cuja origem está  nas elites dominantes, nas classes que compõem a nata da sociedade, em termos de poder político e econômico. Evidentemente, seus interesses divergem bastante daqueles da classe operária; corresponderiam à nobreza e clero dos tempos da França revolucionária.

    Convém lembrar ao leitor que a condição social e a posição social que possuímos na presente encarnação são, normalmente, escolhidas por nós mesmos para atingirmos determinados objetivos no processo de burilamento espiritual. Todos tivemos ou teremos oportunidades de experimentar a riqueza material ou a escassez de recursos. A finalidade é sempre o crescimento interior e não cabe, portanto, revoltar-se pela sua atual condição. É sempre bom lembrar que se o pobre, muitas vezes, se torna escravo da revolta, o rico por sua vez nem sempre é feliz, sendo escravo da riqueza.

    Naturalmente, quando reencarnamos em posição social inferior não estamos impedidos de procurar melhorar de vida, tanto no aspecto material quanto espiritual. A resignação que se espera de cada um de nós é de ordem ativa e não passiva. O esforço no crescimento geral se reverte em méritos para o Espírito e aquisição além de desenvolvimento de virtudes. A própria riqueza deve ter finalidade social e é isso que passa despercebido pela maioria daqueles que vivem a experiência da riqueza material.

    Enquanto encarnados e cidadãos, temos deveres para com a sociedade que nos acolhe. Precisamos aprender a escolher nossos candidatos a partir de padrões diversos dos habituais (troca de favores, clientelismo etc.). A aristocracia intelecto moral exposta por Allan Kardec e inserida em Obras Póstumas constitui precioso referencial para o espírita que deseja colaborar no crescimento da sociedade em que vive. Somente os mais capazes em inteligência e moralidade estarão aptos a implantar os alicerces de uma nova sociedade. Devemos buscá -los na coletividade em que vivemos, partindo de uma análise  madura da folha de serviços prestados por esse ou aquele candidato à sua comunidade. Assim estaremos eliminando os hipócritas, os demagogos, os aproveitadores e espertalhões. Isso exige algum esforço é claro, mas o resultado será  sempre compensador, pois estaremos votando no melhor que se apresenta no momento dentro da linha ideológica do partido de nossa preferência.

    Capítulo 7 - Ética e participação política.

                "O verdadeiro homem é aquele que vive a vida de seu tempo. A matéria da reflexão moral é o jornal, a rua, a batalha do dia-a-dia"

                                                   (Frédéric Rauh - 1861/1909 - filósofo francês)

    Muitos espíritas alegam que a participação na política é algo anti-ético, uma atividade que diminui o ser humano, que o contamina de impurezas da Terra. Esse equívoco tem se alastrado no meio espírita justamente porque não se faz uma reflexão desprovida de preconceitos sobre o assunto. Poucas são as instituições espíritas que abordam o tema em suas reuniões, considerando-o impróprio para o local. Entretanto, enquanto encarnados, convém relembrar, somos contribuintes (pagamos impostos) e cidadãos (temos direitos e deveres de natureza política para com a coletividade).

    Em nenhum texto da Doutrina Espírita pudemos encontrar alguma referência de que a atividade política seja contrária aos princípios espíritas e, portanto, que seja anti-ética. Podemos ter restrições quanto à política partidária que, sem dúvida, deve ser deixada para aqueles que se sentem inclinados para tal mister e que possuam vocação para esse tipo de atividade. Na realidade, são muitos os espíritas preparados doutrinária e eticamente para uma atuação política adequada; falta-lhes o apoio dos próprios espíritas e a disposição de enfrentar essa lamentável atitude preconceituosa contra a política institucional, corrompida, é bem verdade, mas que só poderá melhorar através da contribuição de homens melhores.

    Se fizermos uma leitura dos Evangelhos sob a ótica política veremos que a atuação de Jesus e dos apóstolos está impregnada de conteúdo político. Não fizeram política partidária, pois não se envolveram com os fariseus, partido político-religioso aliado dos romanos, nem com os saduceus, que constituíam a aristocracia materialista da época e que atuavam como um partido, nem com os zelotes, partidários da luta armada contra a dominação romana. Sabe-se que Judas era um zelote que contava com o apoio de Jesus e muitos de seus apóstolos não eram de todo contrários à luta contra os romanos. Somente após a desencarnação do Mestre é que compreenderam melhor seus ensinos e perceberam o alcance de suas palavras relativas à criação do Reino de Deus na Terra. Migraram dos conceitos da política terrena, ainda necessária para a vida de relação, para a política no sentido amplo de transformação social.

    Após tantos séculos pouco mudou na vida humana. Muitos dos vícios de conduta daqueles tempos permanecem; ainda vemos inúmeros “fariseus hipócritas” e “sepulcros caiados” em torno de nós. Entretanto, não será a omissão pura e simples que se converte em cumplicidade ou a contestação passional e pouco eficaz que irá mudar o rumo das coisas. Caberá ao espírita também o papel de colaborador e artífice da nova era. Parte deste trabalho é o saneamento da atividade pública, em especial através da ação política. Pode ser, como já foi dito, que não tenhamos todos a mesma disposição para a política partidária, mas isso não nos impede de sermos cidadãos e eleitores participantes, daqueles que acompanham o trabalho de seu candidato, quando eleito. Que escreve, telefona ou telegrafa apoiando ou cobrando uma atuação mais sóbria. Esse tipo de atitude já contribuirá muito para que a vida política melhore e os aproveitadores e espertalhões pensem duas vezes antes de tentarem tomar de assalto os cargos eletivos com finalidades escusas. Sentindo-se vigiados em sua atuação pública, serão mais cautelosos em suas iniciativas e com o tempo as coisas melhorarão. A política encontra-se atualmente no estado em que está não só pela má qualidade dos candidatos, mas também pela má qualidade dos eleitores. Eleitores mais exigentes naturalmente conduzirão ao poder político os candidatos mais capacitados.

    É importante compreender que a questão ética está relacionada com o comportamento do eleitor e do candidato e não com a função pública em si. Se nos melhorarmos enquanto eleitores, deixando de trocar votos por favores pessoais, por um emprego ou uma ajuda material (que se converte em suborno) ou coisas desse tipo, certamente o mal que hoje se infiltrou na vida pública começará a ser contido e gradualmente reduzido. Atitudes passionais de rejeição pura e simples até mesmo ao debate de ordem política demonstra imaturidade espiritual, ignorância de nossa situação na Terra e, conseqüentemente, de nossos deveres para com a coletividade. Esta só vai melhorar quando nos melhorarmos, quando cada um assumir sua parcela de responsabilidade no tocante à vida social.

    A comunidade espírita não poderá continuar alheia aos acontecimentos, fazendo coro com os críticos, gratuitos ou não, lavando as mãos quanto aos problemas sociais como se estes não lhe dissessem respeito. As questões sociais se agravam em boa parte devido a omissão daqueles que poderiam fazer alguma coisa, num momento em que o Estado se  encontra enfraquecido sob vários aspectos, principalmente política e financeiramente. Não se pode mais transferir tais responsabilidades, esperar que Governos dêem solução à fome, à miséria que se alastra, à violência e ao desemprego, sem a participação da própria sociedade civil. As soluções deverão surgir dentro de uma nova ordem onde a cooperação e a solidariedade prevaleçam, dentro de princípios éticos que sejam universais, válidos tanto para o político quanto para o eleitor, tanto para o patrão quanto para o empregado.

                            II PARTE

    Capítulo 8 - Visão espírita da política.

                "Age de tal modo que a máxima de tua ação possa sempre valer como princípio universal de conduta. Age sempre como se fosses simultaneamente legislador e sujeito na república das vontades. Age sempre de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, como fim e não apenas como meio".             

                                                               (Immanuel Kant - 1724/1804 - filósofo alemão)

    Para alguns pode ser discutível a questão se há ou não uma visão espírita da política. Somos da opinião de que há, principalmente considerando que nos preocupamos mais com o conceito amplo de política - a vida em sociedade, com seus corolários - do que com a visão restrita da política partidária. Ao propor-se a revigorar a Boa Nova, que deve fortalecer moralmente os seres humanos e não torná-los apáticos e expectantes - o que, infelizmente, tem acontecido - o Espiritismo forçosamente ingressa no campo da política; da reformulação da sociedade através de novos conceitos de vida, de formas de convivência e de relação em geral que, eventualmente, serão convertidas em hábitos mais generalizados e, conseqüentemente, em leis que regulem a vida social.

    A visão espírita da política é a de que ela, a política, é uma atividade-meio e não um fim em si mesmo. Sua função social é a de estabelecer as formas mais apropriadas de convivência, considerando as diferenças existentes entre os seres humanos. É dinâmica por sua própria natureza e, contrariando as formas atuais de se fazer política, não pretende se perpetuar em modelos estanques. A política evolui junto com a coletividade que a exerce, sem traumas ou choques que impliquem rupturas institucionais ou convulsões sociais, pois a natureza da política espírita, se podemos nos expressar assim, é solidária, tolerante e cooperativista.

    Pode ser que ainda precisemos de muito tempo e muito exercício de democracia e cidadania para atingir níveis melhores de convivência na “polis”, como seria de se desejar. Não há dúvida de que ainda falta muito para se instituir o Reino de Deus na Terra, contudo, é possível melhorar, aperfeiçoar, o que está por aí. Fazer política nunca foi uma atividade fácil. Exige elevado grau de integridade e honradez, qualidades raras tanto no passado como hoje em dia, princípios éticos e capacitação técnica, pois a vida pública tornou-se muito complexa e é um campo onde somente boa vontade já não basta. Hoje, a função política fez-se função técnica. Conhecer um mínimo da legislação em vigor, da Constituição federal, estadual, da legislação municipal, além de um mínimo de capacidade de expressar-se bem através da linguagem escrita ou falada e capacidade de convencimento ou persuasão. Ao mencionarmos tais questões o texto de Allan Kardec, As aristocracias, nos vem naturalmente ao pensamento.

    Se alguém procurar na literatura doutrinária uma visão espírita da política terá de fazer um trabalho de garimpagem. Não temos, ainda, textos específicos, sejam produzidos por encarnados ou desencarnados, em quantidade e qualidade suficientes para induzir a reflexão ampla. Temos muita coisa que pode ser aproveitada  e que se encontra na Codificação, assunto que trataremos no próximo capítulo, e nas obras complementares e subsidiárias. Um exemplo é o livro Nosso Lar, de André Luiz/Chico Xavier, que pode ser lido sob a perspectiva política e que evidenciará a estrutura basicamente socialista daquela colônia espiritual.

    Enfim, a visão espírita da política pode ser sintetizada como uma visão da República dos Espíritos, como se expressaram J. Herculano Pires e Humberto Mariotti. Ou seja, estejamos ou não encarnados, somos seres imortais que vivem em coletividades, agrupando-se por afinidades, pendores e interesses. As regras de convivência serão estabelecidas pelo próprio grupo social, em função de seu grau evolutivo através de uma legislação própria, escrita ou consuetudinária, mas sempre baseada no estatuto divino impresso na consciência de cada um de nós. Conhecer esse estatuto, esse conjunto de leis, de normas, válidas universalmente porque expressam a vontade do Criador é o trabalho da evolução, do esforço de cada um, no atrito e na convivência com com os demais seres da criação, neste ou em outros orbes.

    Capítulo 9 - A política nas obras de Allan Kardec.

                "Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação".

                                       (Allan Kardec - 1804/1869 - in Obras Póstumas)

    As obras básicas da doutrina espírita estão repletas de referências à vida de relação, ao homem de bem, à função social da riqueza, à vida em sociedade, à legislação humana em comparação à legislação divina, o que em última análise tem fortes conotações políticas. A questão é fazer-se uma leitura com o senso crítico voltado para esta área. Podemos fazer uma leitura da Codificação sob a perspectiva de qualquer ciência e é o que cada especialista tem procurado fazer, descobrindo referências importantes sobre coisas que, em muitos casos, ainda estavam por ser descobertas pela ciência, digamos, ortodoxa. Um exemplo para que o leitor nos compreenda melhor: O Livro dos Espíritos foi publicado em 18 de abril de 1857 com um conteúdo bastante acentuado, para a época, acerca da teoria da evolução. O livro de Charles Darwin, que trata especificamente sobre a evolução e seleção das espécies, veio a público em 1859 abalando os alicerces da ciência de então, ainda muito apegada aos conceitos criacionistas. A primeira obra da Codificação antecipou neste caso, como em muitos outros, as descobertas da ciência.

    Mencionamos anteriormente o texto de Kardec, As aristocracias, inserido em Obras Póstumas, que demonstra a preocupação do professor Rivail com a evolução do poder político na Terra. Kardec não era um alienado. Era um homem inserido no seu tempo, preocupado com as grandes questões da humanidade, fossem elas de natureza espiritual, social, política ou econômica. Seus escritos trazem sempre uma visão ampla sobre as questões de interesse coletivo, dentre eles as questões pertinentes à vida de relação. Sua preocupação com esse aspecto estendeu-se ao então nascente movimento espírita, o que deu origem a outro texto, pouco conhecido de muitos espíritas e que se chama Constituição do Espiritismo, também inserido em Obras Póstumas.

    Mas, a grande contribuição do Espiritismo para a Política está na terceira parte de O Livro dos Espíritos, denominada As Leis Morais, onde se levanta a questão da existência de um Estatuto Divino para a vida  e que todos nós, individualmente ou coletivamente, deveremos nos adaptar a esse código eterno porque imutável e válido para tudo e todos em todos os quadrantes do Universo, constituindo-se um precioso referencial porque se apresenta, ali, o balizamento necessário ao processo da vida  que é buscado por todos, mesmo que não tenham consciência disso.

    Nessa parte do livro se estabelece claramente os conceitos de lei natural ou divina, como também a correta distinção entre os conceitos de Bem e  Mal. Em seguida, temos a explicitação de forma muito didática de cada uma das Leis que ordenam, regulam e estabilizam o Universo em suas diversas esferas de existência física  e extra-física. O simples conhecimento dessas leis possibilita o estabelecimento de princípios éticos mais estáveis, que deverão ser aperfeiçoados em sua prática diária, de conformidade com as experiências de cada um.

    O conteúdo dessa terceira parte de O Livro dos Espíritos constitui uma verdadeira constituição-modelo que, seguramente no futuro será utilizada na elaboração das leis terrenas que correm em paralelo com as leis divinas. A Lei de Adoração estabelece a forma de relação entre o Criador e a criatura, confirma e sanciona a liberdade de culto e crença, pois são formas exteriores e acessórias daquele mencionado relacionamento entre a divindade e nós, seres humanos. A Lei do Trabalho é atualíssima e quem dera fosse do conhecimento dos legisladores e políticos da atualidade (podem ser dos políticos espíritas que desejarem levá-la ao plenário das Câmaras municipais, estaduais ou da União, devidamente contextualizadas), para que pudessem considerar o interesse de todos e não de alguns ou de algumas categorias profissionais. A Lei de Reprodução que nos possibilita investigar os termos da paternidade e maternidade conscientes, a questão do casamento e do celibato etc. A Lei de Conservação é uma boa matéria de reflexão para os juristas, pois os ajudaria a situar melhor a aplicação e distribuição de justiça. A Lei de Destruição é útil a todos pois esclarece que tudo é transitório, passageiro. As coisas se destroem aqui para ressurgirem ali modificadas e melhoradas.

    A Lei de Sociedade nos aponta os caminhos da evolução da vida social. Defende a instituição familiar como indispensável para a formação do caráter e burilamento do Espírito, mostrando o equívoco daqueles que acreditam e apostam em seu fim, pois, segundo eles, a família tornou-se inviável e dispensável. É certo que a família em seus moldes tradicionais não se viabiliza mais; deverá se adequar aos novos tempos e às novas necessidades. Entretanto daí a dizer-se que ela tornou-se dispensável vai uma grande distância. A lei do Progresso, que como lei universal leva de vencida tudo aquilo que tende a estagnar-se, mostra que muitas coisas devem ser “esquecidas”, isto é, superadas para cederem lugar a outras melhores. A correta compreensão das desigualdades sociais, da estratificação da sociedade em classes, dos termos de igualdade entre homem e mulher e entre os seres humanos é dada pela Lei de Igualdade, um material de reflexão de  suma importância para os eleitores e eventuais candidatos espíritas.

    Na Lei de Liberdade vemos a recuperação de princípios básicos da vida humana. A liberdade de pensar, a liberdade de consciência, o livre arbítrio e outros assuntos são ventilados de forma a permitir seu desdobramento sob vários enfoques, principalmente o filosófico, o sociológico, o jurídico e o político. Enfim, a Lei de Justiça, de Amor e Caridade estabelece as bases do relacionamento humano e dos homens com Deus, encerrando com um capítulo intitulado Perfeição Moral. Em seu conjunto, como já foi dito, constituem um estatuto divino ao qual, mais dia menos dia, teremos  todos que nos adequar, efetuando as necessárias correções de rota em  nossa vida pessoal e coletiva, em busca da perfeição relativa que nos é concedida e da felicidade completa à qual estamos destinados pela vontade divina.

     

    Capítulo 10 - A Atuação política do espírita.

               

                "Por que, no mundo, os maus, tão freqüentemente, sobrepujam os bons em influência?"

                "- Pela fraqueza dos bons; os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes quiserem, dominarão."

                                       (Q. 932 de O Livro dos Espíritos - A. Kardec)

    Certa vez, um especialista inglês de renome mundial, Eric Hobsbawm, concedeu entrevista a uma revista brasileira de grande circulação. Nesta entrevista expôs seu pensamento relativo aos problemas mais emergenciais que a humanidade do terceiro milênio dever  enfrentar. Segundo  esse historiador inglês, o recrudescimento dos nacionalismos, o aumento do abismo entre ricos e pobres e os problemas ecológicos deverão ocupar o centro das preocupações dos governantes das próximas décadas.

    De fato, o ressurgimento de uma ideologia sinistra como o (neo)nazismo, os nacionalismos e o fundamentalismo que observamos em quase todos os quadrantes do planeta; a crescente concentração das riquezas, que não é um fenômeno brasileiro, mas mundial, jogando a cada ano milhões de seres na indigência, inclusive levando cerca de 14 milhões de crianças à morte anualmente, de fome ou por causa da fome, e os contínuos desastres ecológicos que não têm recebido a devida atenção das autoridades responsáveis, serão questões essenciais para a sobrevivência do homem na Terra. Resta ainda a considerar que o século XX, já  no apagar de suas luzes, foi o século mais violento da história humana. Nunca antes houve tantas guerras, tantos genocídios, tanta crueldade, com o homem tornando-se um predador do próprio homem.

    Que ninguém acredite que a Espiritualidade cuidará  de tudo sozinha. A miséria material e moral existente no mundo é fruto de nossa inferioridade como Espíritos. É um problema engendrado pelos homens e deverá  ser solucionado pelos homens. Paliativos como a TQC (iniciais em inglês de “Controle de Qualidade Total”), Readministração, Reengenharia e Globalização não impedirão que o atual sistema de servidão econômica imposto a dois terços da humanidade termine em escombros, embora lhe permita ainda alguma sobrevida. Seres humanos são constantemente alijados do processo produtivo, sem outras opções de sobrevivência que o subemprego, as atividades ilícitas ou ilegais e, muitas vezes, a criminalidade forçada pela exclusão social. Um exemplo claro é o caso brasileiro dos "meninos de rua".

    Só no Brasil temos em torno de 35 milhões de excluídos do sistema produtivo e a tendência, por hora pelo menos, é de gradativo aumento. Essas pessoas não possuem condições de produzir e portanto de consumir, vivendo como uma sociedade à parte. O que vemos é o crescente aumento dos recursos técnicos e científicos, cada vez mais elitizados, e a queda da qualidade de vida, mesmo que o padrão de vida seja alto. A vida na Terra torna-se cada vez mais sofisticada e mais triste. Tudo isso mostra a realidade da crise sócio-moral por que passa a humanidade. Uma transição dolorosa e difícil que leva cada criatura a expor-se tal qual é, desfazendo-se de suas  máscaras. Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), lá  pelo ano 2.075 a população terrena deverá  estabilizar-se em torno dos 11 ou 12 bilhões de indivíduos, devido ao equilíbrio entre a taxa de mortalidade e a taxa de natalidade. Que ninguém se assuste, os recursos naturais são suficientes para alimentar toda essa gente, desde que usados de forma racional e com exclusão do egoísmo. Tais projeções nos parecem lógicas e condizentes com o que nos vem da Espiritualidade Superior.

    No campo da religião os problemas não são menores. Os dados disponíveis nos informam que a religião que mais se expande, em termos numéricos em todo o mundo, é o islamismo. No Brasil, as igrejas evangélicas e pentecostais se multiplicam enquanto o Catolicismo perde adeptos. Por que essa reviravolta no pensamento religioso da humanidade? O Corão é um livro completo, abarcando as questões da vida social, política e econômica, além das propriamente de ordem moral, isso talvez explique sua propagação numa época de ausência de referenciais; os vários segmentos protestantes também se irradiam em todas as direções e nos países de tradição católica são eles que arrebanham os adeptos da maioria das outras crenças ou aqueles que não as têm. A causa? As promessas de salvação mediante o simples ato de aceitar Jesus sem maiores responsabilidades ou compromissos. A Igreja Romana perdeu-se pelo caminho e já  não tem o que oferecer ao seu rebanho. A necessidade de apoio moral-espiritual é tão premente face às angústias da vida que seus adeptos se filiam a outras seitas, inclusive orientais e afro-brasileiras.

    Como fica o Espiritismo nesse contexto? Não há  dúvida que a Doutrina Espírita tem tido crescente aceitação nos últimos tempos. Filmes como o antológico Ghost levantaram de forma muito apropriada a questão da vida após a morte do corpo, trazendo uma nova esperança para aqueles que se encontram maduros para os grandes vôos do Espírito. Entretanto, sendo o Espiritismo uma doutrina de responsabilidade pessoal, que exige dedicação e estudo contínuo por parte de seus adeptos, ele é e continuará  sendo seletivo e não elitista como acreditam alguns.

    Os espíritas deverão cuidar para não absorverem o fundamentalismo doentio, o dogmatismo religioso, o sectarismo e a intolerância que medram em outras searas, numa espécie de tribalização das concepções religiosas. Pelo contrário, devemos ter maior ação sobre as instituições sociais, participando da melhor maneira possível nos sindicatos, nos conselhos comunitários, nos colegiados escolares, nas associações de bairro e mesmo na política institucional, levando para esses locais a ética espírita e a mensagem imortalista, sem preocupações proselitistas ou sectárias.

    Para aqueles mais escrupulosos que pensam não ser correto interferir no modo de pensar dos outros, recomendamos novamente refletir na questão 932 de O Livro dos Espíritos que abre o presente capítulo e a de número 841, que transcrevemos integralmente: "Deve-se, em respeito à liberdade de consciência, deixar se propagarem doutrinas perniciosas, ou se pode, sem insultar essa liberdade, procurar trazer de novo ao caminho da verdade aqueles que se perderam por falsos princípios? - Certamente se pode e, mesmo, se deve. Mas ensinar, a exemplo de Jesus, pela suavidade e a persuasão e não pela força, o que seria pior que a crença daquele a quem se quer convencer. Se há  uma coisa que seja permitido se impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o meio de os fazer admitir seja o de agir com violência: a convicção não se impõe."

    Capítulo 11 - Capitalismo ou socialismo?

               

                "Trata-se de que, mais uma vez, o homem se perdeu. Porque não é coisa nova nem acidental. O homem se perdeu muitas vezes ao longo da história - e ainda mais: é constitutivo do homem, diferentemente de todos os demais seres, o ser capaz de perder-se, de se perder na selva da existência, dentro de si mesmo, e, graças a essa outra sensação de perda, "re-operar" energicamente para voltar a encontrar-se. A capacidade e o desgosto de sentir-se perdido são o seu trágico destino e seu ilustre privilégio".

                                       (Ortega y Gasset - 1883/1955 - filósofo espanhol)

    O capitalismo é o aspecto econômico do chamado Liberalismo. Este preconiza essencialmente a livre iniciativa, a livre concorrência e o livre cambismo. Isto no campo teórico pois, na prática, a iniciativa é muitas vezes determinada pelo mercado; a livre concorrência hoje não passa de retórica e também não existe livre cambismo, isto é, o livre trânsito das mercadorias e serviços sem impedimentos alfandegários. Todos os países capitalistas praticam, de uma forma ou de outra, o protecionismo alfandegário, visando preservar seus produtos da concorrência.

    O Liberalismo tem suas raízes teóricas em John Locke e Adam Smith, dentre outros pensadores dos séculos XVII e XVIII. Em tese, possibilita a igualdade de oportunidades para todos. No campo político o Estado seria mínimo, cuidando de atividades essenciais do interesse da coletividade, como a segurança pública. A maior crítica que se faz a esse sistema é que ele torna o homem um lobo do homem, ou seja, a exploração de uns sobre outros. Outro aspecto criticável é que sendo o esforço produtivo de natureza social, não é correto que haja a apropriação privada dos resultados desse esforço. Dito de outro modo, nesse sistema se produz para quem pode pagar.

    O Socialismo é também uma doutrina com propostas de transformação nos campos social, político e econômico e de raízes muito antigas. Temos em Platão, Tomas Moore e T. Campanella seus primeiros idealizadores. O aspecto econômico do Socialismo é o comunismo: a propriedade coletiva dos meios de produção. Nesse sistema todos são funcionários do Estado, a economia, ao contrário do capitalismo, é planificada de modo a atender os interesses sociais. Este sistema também sofre críticas, pois o Estado ganhando muita força, tornando-se uma instituição que nem sempre fica sob controle social, pode resvalar para o autoritarismo. Praticamente todos as tentativas de coletivização, ou seja, de implantação do comunismo ocorridas no nosso século, tornaram-se ditaduras de esquerda, suprimindo várias liberdades e garantias individuais. O stalinismo na antiga URSS é um exemplo disso.

    Sendo produtos do pensamento humano, ambas as doutrinas apresentam falhas. A questão básica não está  no sistema em si mas no próprio homem. Enquanto não houver uma revolução cultural, que mude os conceitos materialistas e imediatistas do ser humano, os problemas relacionados com a distribuição dos bens produzidos socialmente esbarrarão no egoísmo mascarado sob diversas formas de dominação e exploração do homem pelo homem. Além disso, o pragmatismo reinante gerou uma mentalidade utilitarista e imediatista que leva as pessoas a se usarem mutuamente para atingir seus objetivos.

    Apesar disso, a Doutrina Espírita, em seus aspectos gerais, se aproxima mais do sistema socialista (a leitura do livro Nosso Lar, de André Luiz/Chico Xavier, numa visão política pode aclarar mais a questão). Possuindo uma visão imortalista do homem, aliada ao conceito de progresso gradual, o Espiritismo nos orienta no sentido de buscarmos as aquisições espirituais em primeiro lugar. Nos ensina o sentido e finalidade social que deve ter a riqueza e, sobretudo, demonstra que o verdadeiro proprietário de tudo é Deus, por direito de criação. Nossa condição é a de depositários ou usufrutuários dos bens provisoriamente postos em nossas mãos.

    A chamada social-democracia procura aliar princípios dos dois sistemas distintos: capitalismo e socialismo. Tem sido experimentada em alguns países com relativo sucesso. Também sofre críticas, pois sendo um sistema híbrido tanto poderia tornar-se eventualmente um liberalismo coxo quanto um socialismo capenga. Existe ainda o chamado social-cristianismo, fundamentado na encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que no final do século XIX procurou conciliar os interesses do capital e do trabalho, dos empregadores e dos trabalhadores. Seus postulados contradizem tanto o socialismo quanto o liberalismo, conservando-se em posição eclética em muitos pontos. Essencialmente, defende o princípio de que a questão social não é de ordem econômica, como dizem os liberais e os socialistas, mas um problema moral. Sua proposta básica é subordinar a Economia à Moral.

    O cidadão politicamente consciente, espírita ou não, sabe que sua felicidade está  condicionada à relativa felicidade alheia. Sabe que não poderá  sequer usufruir de seus bens materiais com segurança e prazer, se estiver sitiado por uma multidão de miseráveis, como ocorre atualmente nas grandes cidades e capitais brasileiras e com tendência a aumentar. O aumento da violência urbana, dos seqüestros e corrupção em todos os níveis mostra o grau de egocentrismo e competitividade que predomina atualmente. A insegurança e incerteza generalizada conduz ao recrudescimento dos instintos ligados à sobrevivência, levando cidadãos pacíficos a se converterem em feras humanas.

    Os problemas sociais não poderão ser solucionados em definitivo através de medidas puramente econômicas, decretos ou coerções. Só a reeducação da sociedade poderá  conduzir a coletividade a um nível aceitável de vida. Isso custa caro, leva tempo e não dá  voto, daí o desinteresse do segmento político, ressalvadas as poucas exceções.

    Capítulo 12 - O movimento espírita como mecanismo de pressão política.

                "A vida social está  na natureza? R. Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação".

                                       (Q. 766 - O Livro dos Espíritos - A. Kardec)

    Considerando que não passamos de uns cinco ou seis milhões de espíritas espalhados por todo o país, será que nossa participação teria algum peso nas decisões de natureza política, seja em nível municipal, estadual ou federal? Certamente que sim. A história mostra que as grandes transformações sociais foram iniciadas por minorias e mesmo por indivíduos que acreditavam nas possibilidades de uma vida melhor. A questão está centralizada no nível de organização do grupo social e de seu poder de convencimento.

    Não há dúvida que a lógica do pensamento espírita se impõe por si mesma em muitas circunstâncias e que a maioria das pessoas segue determinado modelo de vida por espírito de acomodação, mas se mobilizadas de forma adequada surpreendem pela capacidade de agir em função de uma idéia ou situação que se apresente. O Brasil é rico em experiências desse gênero. Desde as calamidades naturais até os grandes momentos nacionais, sempre tiveram a participação popular, em graus diversos. Para o povo falta, na maioria das vezes, a liderança adequada, que catalise a vontade da minoria consciente e mobilize, por uma espécie de efeito multiplicador, a maioria apática. Ao contrário do que apresentam muitos livros de história, a História brasileira sempre teve a participação popular, mas como foi escrita pelos vencedores (as elites) criaram-se os mitos, como se homens especiais fossem capazes de fazer ou mudar os rumos da história sozinhos.

    A comunidade espírita, nesse aspecto, é privilegiada por ter acesso a informações que a maioria ainda não tem. Faltam-nos a disposição para o bom combate, o nível de organização necessário para a correta participação na vida coletiva e, infelizmente, o precário conhecimento doutrinário de muitos tem se tornado um obstáculo para a expansão da própria doutrina que nos anima. Muitos espíritas ainda fazem o Espiritismo à moda da casa, o “achismo” e as explicações simplistas, quando não simplórias, expõem a Doutrina Espírita ao ridículo. Sobretudo o evangelismo piegas que ainda predomina na seara espírita cria seres passivos e não pacíficos, estimula a apatia e a acomodação, contrariando os princípios de fortalecimento moral que predominam na Boa Nova.

    Objetivamente seria o caso de se perguntar: o movimento espírita deve apoiar candidatos ou partidos? Idéias ou apenas situações? Não há uma resposta única, uma espécie de receita de comportamento político para o espírita. Cada comunidade vive situações peculiares, possui particularidades que devem ser analisadas e, a partir daí, se tomam as decisões cabíveis. Aqui pode ser o apoio a determinado candidato, ali a tal partido e acolá a determinadas propostas, com exclusão de uma participação mais objetiva. Naturalmente, jamais se envolverá a instituição espírita nessas questões. É a participação do cidadão-espírita que conta e o Centro Espírita não será o local adequado para o debate partidário, sua função é outra e deve ser mantida intacta diante das questões transitórias como a política terrena. Ele pode e deve criar as condições para a análise em sentido amplo sem que diretoria ou expositores induzam o freqüentador a votar em tal ou qual candidato. A indicação de literatura apropriada e a abordagem do tema Espiritismo e Política (em seu sentido amplo, voltamos a lembrar), pode ser o ponto de partida para que cada um tome as suas próprias decisões.

    O movimento espírita não é e nem deverá atuar como se fosse uma facção política; entretanto, podemos nos politizar um pouco mais, buscando mais informação no tocante às questões de ordem política e, individualmente, estaremos contribuindo quando nos manifestarmos em um sindicato ou associação, quando nos dispormos a assinar um abaixo-assinado em favor de uma causa de interesse comum ou acompanhando o trabalho de nosso candidato eleito. Enquanto grupo de pressão, o movimento espírita estará atuando eficazmente quando puder contribuir no esclarecimento do eleitorado menos informado, quando os conferencistas abordarem a questão política sem fugir aos princípios éticos que nos norteiam ou quando for o caso, votar em bloco em favor do candidato cujas propostas mais se aproximem do ideário espírita. Supondo que haja um candidato espírita cuja folha de serviços justifique o apoio de seus confrades, dar-lhe não só o voto político como também o voto de confiança e o indispensável apoio se eleito.

    Os espíritas individualmente ou em grupo não devem almejar o poder político acreditando que poderão fazer mudanças radicais impondo seu modo de pensar. Fazer política implica acordos, ajustes, acomodação de interesses e os espíritas jamais poderiam pensar em fazer política em função exclusiva dos espíritas. Se faz política em favor da sociedade que é composta de indivíduos de várias formações culturais, religiosas, com suas preferências nos campos sócio-político e econômico. Tentar o contrário seria tornar-se um Dom Quixote extemporâneo.

    A capacidade de mobilização e a forma de expressar-se, de tornar públicas suas idéias e o poder de persuasão é que tornam esse ou aquele grupo social um mecanismo de pressão política eficaz ou não, e não o número de seus membros. Observe-se o trabalho do ativistas do Greenpeace espalhados pelo mundo. Como agem de forma ordenada e simultânea tornam-se um obstáculo para governos e corporações cujos interesses contrariem seus propósitos. Para eles a ecologia é, hoje, uma questão de ordem política e estão certos. Fazem muito barulho, atraem a atenção da imprensa e da população e, no mínimo, levantam problemas para serem analisados.

    Quando se trata do movimento espírita pensamos no fermento e na massa, no sal da terra, na candeia e na luz no mundo. Não que caiba ao movimento espírita partir numa cruzada de reformulação social como se fôssemos capazes de fazer com que quase seis bilhões de encarnados pensassem de igual maneira. Não, nem todos se tornarão espíritas, nem hoje nem no futuro. O movimento espírita é parte do trabalho de renovação superestrutural do planeta, tanto na esfera visível quanto invisível. Somos parte do projeto social de Jesus para este planeta e cabe-nos, sem dúvida, um papel relevante no que diz respeito ao esforço de se espiritualizar a ciência e tornar a religião mais científica. Resta-nos estabelecer uma filosofia da ação, de conformidade com os ensinamentos expressos na Codificação e nas obras que se lhe seguiram. 

    Capítulo 13 - Os problemas sociais e o Espiritismo

               

                "De que maneira o Espiritismo pode contribuir para o progresso? R. Destruindo o materialismo, que é uma chaga da sociedade, ele faz os homens compreenderem onde está  o seu verdadeiro interesse. A vida futura, não estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá  melhor que ele pode assegurar seu futuro pelo presente. Destruindo os preconceitos de seitas, de castas e de cor, ele ensina aos homens a grande solidariedade que deve uni-los como irmãos".

                                       (Q. 799 - O Livro dos Espíritos - A. Kardec)

               

    Não há  dúvida que vivemos um período de transição. Até mesmo os mais insensíveis e distraídos notam que algo de inédito acontece. Recuando no tempo podemos estabelecer alguns paralelismos históricos de modo a compreender melhor o momento presente. É fato que quem não aprende História repete a lição e lá  no passado não tão remoto encontraremos situações semelhantes à atual, o que pode facilitar o entendimento do enorme volume de acontecimentos dos dias atuais.

    O exemplo clássico  tem sido o Império Romano, principalmente em seus três últimos séculos de existência. Licenciosidade, corrupção política, inversão e subversão de valores essenciais à sobrevivência do Império, como os valores relativos à pátria e à família, foram os sinais evidentes da derrocada da civilização que fora incumbida de unificar politicamente o planeta, conforme se lê na obra A Caminho da Luz, de Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier. A civilização romana fracassou parcialmente em sua missão e a civilização que a sucedeu, dita cristã, não parece ter obtido resultados melhores. Houve avanços, embora modestos, no campo da moral, mas a Boa Nova no crepúsculo do século XX permanece mal compreendida e mal vivenciada. A visão profética de Jesus acerca do chamado "final dos tempos", registrada no capítulo 24 do Evangelho de Mateus, apresenta-se aos nossos olhos com impressionante nitidez.

    Uma visão panorâmica da atualidade basta para que possamos compreender a profundidade das transformações e o volume de dores e sofrimentos necessários à purificação espiritual do planeta. Não nos referimos aqui à dor-expiação ainda tão comum em nosso orbe, nem à dor-provação livremente escolhida pelos Espíritos que não querem perder tempo na sua reencarnação, cientes de que a passagem pela Terra não é uma viagem de turismo ou lazer. Referimo-nos à dor-evolução, tão esquecida por aquela maioria de espíritas que insiste em distorcer, conscientemente ou não, a Doutrina libertadora e prefere cultivar o sofrimento e a desdita.

    No campo político o mundo contemporâneo se nos apresenta como um verdadeiro mercado persa, onde os valores mais caros de uma sociedade são vendidos, trocados ou negociados de maneira torpe. Nossos homens públicos, ainda ressalvadas as exceções, tratam a coisa pública como propriedade privada. Não vigora ética alguma, a não ser a ética da esperteza,  e os interesses da nação muitas vezes são postos no balcão para o mercantilismo político ao lado do mais implacável carreirismo.

    No aspecto econômico, tudo, inclusive os valores morais, é objeto de consumo. Diz-se que todo homem tem seu preço e que a questão é definí-lo. Nas relações comerciais entre indivíduos e nações prevalece o interesse particular, onde de fato não há  regras. A hipocrisia e o cinismo dão o tom dos debates e o egoísmo de classe ou de casta apresenta-se camuflado pela cordialidade estudada.

    Na  área social vemos o descalabro em tudo que é essencial à vida humana na Terra. As políticas de saúde e educação faliram e determinadas corporações impedem sua revisão devido, principalmente, à função política da educação plena. A mercantilização da medicina e a industrialização da saúde deixa milhões de necessitados à margem dos progressos havidos no setor. A ausência de valores estáveis que norteiem o cidadão e de princípios morais que forneçam o necessário suporte nos momentos dolorosos da vida, têm transformado o homem pacato numa fera acuada e pronta para defender-se. A falência das religiões tradicionais, a falta de perspectiva de vida, de uma razão para viver que falta para a maioria, levam ao enfraquecimento do tecido social e, conseqüentemente, dos vínculos interpessoais. Neste contexto, a instituição familiar é posta em xeque e a própria relação homem-mulher deteriora, conforme se percebe pelo crescente número de casamentos infelizes ou desfeitos.

    Seria cansativo e contraproducente prosseguir nesse levantamento de situações atormentadas que todos nós, de um modo ou de outro, vivenciamos. Como não se pode simplesmente fazer de conta que as coisas não estão acontecendo, fizêmo-lo não com o intuito de abater os ânimos, mas com a intenção de, após diagnosticado o problema, partirmos para a necessária terapêutica, que consiste em revalorizar e o ser humano, em restabelecer o equilíbrio espiritual dos homens através de uma correta compreensão da vida.

    É o caso de recuperarmos a essência do ensinamento evangélico, sem pieguismo ou pregação moralista. O momento é psicologicamente favorável para um chamamento em favor da formação de uma nova ordem social com vistas à nova era que se aproxima. A Doutrina Espírita tem muito a oferecer em termos de valores, de uma nova superestrutura. Para que se possa levar adiante tal intento, será  indispensável, entretanto, que os espíritas se preparem adequadamente, ampliando e consolidando sua formação doutrinária; atualizando conceitos e formas de divulgação do Espiritismo através de jornais, revistas, programas de rádio ou tv e, principalmente, nas relações interpessoais, através do exemplo edificante e da argumentação consistente.

    Cabe aqui um detalhe essencial. Não é esperado do espírita mais do que se espera de qualquer cidadão consciente de seus deveres. Os espíritas não são seres especiais dotados de algo que os outros não possuam e nem estão impedidos de errar. São, isso sim, pessoas detentoras de um conhecimento maior das realidades espirituais, o que os habilita a agir de forma mais eficaz como "o fermento que leveda a massa", não com um otimismo estrábico dizendo que a Espiritualidade cuida de tudo, mas também sem recorrerem a simplismos que levem a ver obsessão, carma, mediunidade ou expiação por todos os lados.

    Em resumo, a Doutrina Espírita e os espíritas poderão contribuir muito no reerguimento moral de nossos semelhantes, desde que se organizem adequadamente para isso, sem os extremismos tão comuns em momentos de crise e sem adotarem uma posição exageradamente crítica de pessoas ou situações, construindo um superego tirânico que impeça o exercício equilibrado da compreensão e da tolerância, o que não significa, por outro lado, conivência ou compactuar com o erro.

    Capítulo 14 - O que fazer?

                "...Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"

                                                   (Geraldo Vandré - 1935/ - compositor e cantor brasileiro)

    A pergunta não é fora de propósito. Talvez ficasse melhor se a mudássemos para: O que nós espíritas podemos fazer? Sem dúvida somos minoria dentro de uma população de aproximadamente 155 milhões de brasileiros. Talvez sejamos uns cinco ou seis milhões. Entretanto, todos os movimentos sociais que tiveram algum resultado sobre o conjunto da sociedade foram iniciados por minorias. Minorias mais conscientes, mais seguras quanto aos melhores caminhos e nesses casos o que se necessita é de lideranças condizentes com a situação e com alguma competência na condução de pessoas.

    Se todos os espíritas que realmente se interessam pela causa, e aqui descartamos os meros freqüentadores de Centros e demais simpatizantes interessados apenas nas mensagens consoladoras e nos romances que saboreiam como qualquer obra de ficção, cumprissem bem os seus deveres sociais, o que implica a condição de eleitores conscientes e participantes, de sindicalistas sensatos, de presidentes de instituições espíritas interessados na libertação interior de seus freqüentadores e não apenas no aumento do número de seus prosélitos, de membros de conselhos comunitários, de associações de moradores, de clubes de donas-de-casa, de conselhos de pais nas escolas etc. Se todos se ocupassem em levar os princípios éticos cristãos de forma clara e objetiva, funcionando como elementos de persuasão, teríamos um efeito multiplicador com resultados apreciáveis ao longo do tempo.

    Alguém pode argumentar que isso é utopia. Que a maioria não teria condições de atuar dessa forma. A esses replicamos que não se espera nada especial de ninguém a não ser coerência com os princípios que esposa e que não se omita e nem perca as oportunidades de alertar amigos, vizinhos e parentes nos momentos certos e da forma correta. Dito de outro modo, não se pretende que cada espírita se torne um pregador enfadonho, que chateie aqueles com quem convive ou trabalha com pregações inoportunas. Mais que palavras, exemplos. Mais que discursos prolongados, argumentação direta e persuasiva, sem ofensas ou falta de cortesia.

    Se somos minoria, somente de forma organizada poderemos obter resultados satisfatórios tanto na difusão da crença que nos anima quanto no aperfeiçoamento do movimento a que nos filiamos: o movimento espírita, de essência humanista e universalista, que respeita todas as crenças respeitáveis e todos aqueles que se esforçam na prática do bem, qualquer que seja a opção política ou religiosa de sua preferência.

    A atuação política direta não é uma possibilidade a ser descartada a priori. Aqueles que se sentem vocacionados para a vida pública podem e devem tentar realizar o melhor que puderem pela sociedade em geral. Apesar da corrupção vigente no meio político, como melhorar a situação se sequer nos conscientizamos de nossas responsabilidades como cidadãos? Um ensinamento atribuído a Platão diz que a desgraça daqueles que se desinteressam pela política é serem governados pelos que se interessam. O problema é que, na atualidade, a maioria dos que se interessam pretende viver da política e não pela política.

    A reformulação da vida social passa necessariamente pela reforma moral de cada homem e mulher. Há  que considerar-se a necessidade de  criar-se condições sociais favoráveis mínimas para que essa reforma se processe. Essas condições sociais favoráveis mínimas dizem  respeito a uma legislação adequada, a uma política educacional voltada mais para o homem que  para o mercado, a uma política de saúde de caráter preventivo, a uma seguridade social que ampare os mais fracos e incapacitados etc. Tudo isso passa pela ação política direta, que é função daqueles que estão na Terra.

    A própria redefinição do papel do Estado será  objeto de estudo emergencial, já  que ele, o Estado, vem gradualmente sendo substituído em suas funções por várias organizações não governamentais, como a Anistia Internacional, o Green Peace e a Cruz Vermelha Internacional; considere-se ainda a realidade que, em muitos países, o Estado está  virtualmente privatizado ou tornou-se refém da classe dominante. Em todos os países fez-se um parasita social, com um corporação funcional poderosa e organizada o suficiente para tentar perpetuar-se.

    Há  que considerar-se, ainda, que a gradual substituição das gerações de Espíritos de nível evolutivo melhor por si só não assegura a transformação. Há  que efetivar-se uma mobilização coletiva em apoio da ética na vida pública, em apoio daqueles que se mostrem competentes nas funções a que se vincularam e que podem ser alvo de torpedeamento por parte de interesses de classes ou grupos que se sintam atingidos. Veja o leitor que tratamos aqui de coisas bem concretas, deixando intencionalmente de lado as questões espirituais pertinentes, para chamar a atenção de todos para o papel do encarnado na formação de uma nova sociedade.

    BIBLIOGRAFIA:

    - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Araras-SP, IDE, 1991.

    -  __________. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Araras-SP, IDE, 1982.

    -  __________. Obras Póstumas. Rio de Janeiro-RJ, FEB, 1987.

    - MARIOTTI, Humberto. Parapsicologia e Materialismo Histórico. São Paulo-SP. EDICEL. 1983.

    - LOBO, Ney. Estudos de Filosofia Social Espírita. Rio de Janeiro-RJ. FEB. 1992.

    - ----------. O Plano Social de Deus. Sobradinho-DF. EDICEL. 1994.

    - TOYNBEE, Arnold. A Sociedade do Futuro. Rio de Janeiro-RJ. Zahar Editores. 1979.

    - VIRTON, Pol. Os Dinamismos Sociais. Lisboa. Moraes Editores. 1979.

    - SANTOS, Washington dos. Dicionário de Sociologia. Belo Horizonte-MG. Del Rey Editora. 1995.

    - BOBBIO, Norberto, e outros. Dicionário de Política. Brasília-DF. EDUNB. 1992.

    - BRUNTON, Paul. A Crise Espiritual do Homem. São Paulo-SP. Ed. Pensamento. 1973.

    - XAVIER, Francisco Cândido/Emmanuel. A Caminho da Luz. Rio de Janeiro-RJ. FEB. 1986

    - DENIS, Léon. Depois da Morte. Rio de Janeiro-RJ. FEB. 1994.

    ..................................................................................................................................

    Publicado pela Editora EME – Capivari/SP, em Abril de 1998

    * Paulo R. Santos, 48, é sociólogo formado pela UFMG, com pós-graduação pela PUC-MG. Reside atualmente em Divinópolis/Minas, onde é professor.

     

    Veja aqui! - Quer a proteção de Deus?  Saiba como AQUI ...

      

     

    Compartilhe:

    Menu Principal