
Espírito da Verdade, quem seria ele?
É o Espírito da Verdade, que o mundo… não o vê nem o conhece; mas vós o conhecereis… Voltarei a vós”. (Jesus, em João 14,17-18).
Para uns o Espírito de Verdade é Jesus; outros dizem que não; e, completando, há os que não se preocupam nem um pouco com a sua identificação.
Podemos também encontrar aqueles que acham que é coisa de somenos importância e, finalmente, a turma do tanto faz. Embora esse assunto não seja objeto de grande destaque na mídia espírita, chama-nos a atenção o fato dele ser causa de tantas discussões, pois, a essa altura do campeonato – cerca de pouco mais de um século e meio de Doutrina –, nós, os Espíritas, já deveríamos ter plena certeza de quem, realmente, assinara nas obras da Codificação, usando este codinome.
Assim sendo, traremos nossa contribuição, na condição de ser apenas um estudioso, para, quem sabe, se não resolver, de uma vez por todas, a questão, pelo menos indicar um caminho que leve a deduzir claramente quem seria o Espírito de Verdade.
Esclarecemos, logo de início, que não temos a pretensão de refutar nenhum artigo escrito sobre o assunto. E fazemos questão de reafirmar que queremos apenas contribuir para elucidar essa questão.
Seria uma comunidade de Espíritos?
Tendo em vista que muitos companheiros consideram-no como sendo uma plêiade de Espíritos, é necessário, já de início, definirmos este ponto.
Encontramos, na Revista Espírita, algumas comunicações nas quais nos fundamentaremos para responder a este quesito.
Perguntou-se ao Espírito Jobard:
Vedes os Espíritos que estão aqui convosco?
– R. Eu vejo sobretudo Lázaro e Erasto; depois, mais distante, o Espírito de Verdade, planando no espaço; depois, uma multidão de Espíritos amigos que vos cercam, apressados e benevolentes.
(Revista Espírita 1862, p. 75; O Céu e o Inferno, p. 203, grifo nosso).
Ao Espírito Sanson, se fez a seguinte pergunta:
Não vedes outros Espíritos?
– R. Perdão; o Espírito de Verdade, Santo Agostinho, Lamennais, Sonnet, São Paulo, Luís e outros amigos que evocais, estão sempre em vossas sessões.
(Revista Espírita 1862, p. 175, grifo nosso).
Numa comunicação de Lacordaire, lemos:
Era preciso, aliás, completar o que não havia podido dizer então, porque não teria sido compreendido.
Foi porque uma multidão de Espíritos de todas as ordens, sob a direção do Espírito de Verdade, veio em todas as partes do mundo e em todos os povos, revelar as leis do mundo espiritual, das quais Jesus havia adiado o ensinamento, e lançar, pelo Espiritismo, os fundamentos da nova ordem social.
Quando todas as bases lhe forem postas, então virá o Messias que deverá coroar o edifício e presidir à reorganização com a ajuda dos elementos que terão sido preparados.
(Revista Espírita 1868, p. 47, grifo nosso).
Pela informação desses três Espíritos, podemos concluir que não se trata de uma coletividade, mas que o Espírito de Verdade é, sem receio, uma individualidade.
Mas sigamos em frente. Devemos, para dissipar as possíveis dúvidas, trazer o testemunho do próprio Kardec, que, analisando uma comunicação de um determinado espírito, assim a explicou:
O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne a qualificação de santo, e não está na verdade dizendo que os Espíritos Superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não seria senão um orgulho mascarado sob um outro nome, e que poderia induzir em erro se tomado ao pé da letra, porque ninguém pode se gabar de possuir a verdade absoluta, não mais do que a santidade absoluta.
A qualificação de Espírito de Verdade não pertence senão a um e pode ser considerado como nome próprio; ela é especificada no Evangelho. De resto, esse Espírito se comunica raramente, e somente em circunstâncias especiais; deve-se manter em guarda contra aqueles que se apoderam indevidamente desse título: são fáceis de se reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem. (Revista Espírita 1866, p. 222, grifo nosso).
Não restando, portanto, a nós mais dúvida quanto a não ser uma coletividade, uma vez que as explicações dadas acima, pelo Codificador, nos apontam para identificá-lo como sendo mesmo uma individualidade.
Inclusive, da judiciosa recomendação de que “deve-se manter em guarda contra aqueles que se apoderam indevidamente desse título”, podemos perceber que se trata de um Espírito de elevada hierarquia que, embora não se manifestasse de forma rotineira, dele já se tinha uma ideia do estilo de linguagem, que estava bem longe da prolixidade e da vulgaridade.
Levando-se em conta que Kardec disse que a qualificação do Espírito de Verdade encontra-se especificada no Evangelho, seguiremos sua orientação, e, um pouco mais à frente, iremos ver o que lá poderemos encontrar sobre isso.
Quem seria o Consolador?
Importante também fazermos a distinção de quem seria o Consolador, pois alguns companheiros o têm como sendo Jesus, enquanto outros já o veem como o Espírito de Verdade.
Vejamos esta passagem de João 14,15-18 e 26:
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja eternamente convosco, o Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós.
Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros. Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”. (grifo nosso).
Por ter afirmado que enviaria outro Consolador, devemos concluir, com Kardec, que o Consolador não é Jesus. Entretanto, a passagem bíblica dá a entender que o Consolador é o Espírito de Verdade, fato que vem causando uma certa confusão para se identificar quem realmente ele seja, se apenas tomarmos esse passo como referência.
Mais à frente iremos ver que outras passagens bíblicas não trazem essa ideia, separando um do outro.
Em A Gênese, cap. XVII, item 39, Kardec vai nos esclarecer isso, pois, para ele, são duas coisas distintas; vejamos:
Qual deverá ser esse Enviado?
Dizendo: “Pedirei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador”, Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele, pois, do contrário, dissera: “Voltarei a completar o que vos tenho ensinado”.
Não só tal não disse, como acrescentou: A fim de que fique eternamente convosco e ele estará em vós.
Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada, visto que não poderia ficar eternamente conosco, nem, ainda menos, estar em nós; compreendemo-la, porém, muito bem com referência a uma doutrina, a qual, com efeito, quando a tenhamos assimilado, poderá estar eternamente em nós.
O Consolador é, pois, segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de Verdade.
(A Gênese, FEB, 2007e, p. 441, grifo nosso).
Desse modo, Kardec, reafirmando o que ele já havia dito alhures, relaciona o Consolador a uma doutrina soberanamente consoladora, qual seja, o Espiritismo, cujo inspirador foi o Espírito de Verdade.
Portanto, fica claro, para nós, que Kardec também separa um do outro, o que nos leva a concluir que o Espírito de Verdade não é o Consolador, o qual, ele mesmo, nessa sua fala acima, identifica como sendo o Espiritismo.
O que fica ainda mais nítido com estas suas duas outras falas:
Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.
(O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. VI, item 4, p. 135, grifo nosso).
[…] reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado.
Ora, como é o Espírito de Verdade quem preside ao grande movimento da regeneração, a promessa do seu advento se encontra realizada, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador.
(A Gênese, item 42, IDE, p. 31, grifo nosso).
Caracteriza, portanto, o Espiritismo como sendo o Consolador prometido, ao qual lhe atribui a realização da promessa de Jesus quanto a seu envio, o que mostra claramente a separação que Kardec fazia entre Espírito de Verdade e o Consolador.
Nessa última fala, a que consta em A Gênese, ao dizer no final que “é ele o verdadeiro Consolador”, o “é ele” a que Kardec aqui está se referindo, s.m.j., é à expressão “seu advento”, o que, por conseguinte, nos remete ao Espiritismo e não ao Espírito de Verdade; ressaltamos, para que não se venha confundi-los no entendimento desse texto.
Para confirmar esse nosso entendimento, vejamos esta outra fala de Kardec, contida em O Evangelho Segundo o Espiritismo (p. 134):
“O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade”. (grifo nosso).
Comparando essa fala com a que acima é dita “a promessa do seu advento se encontra realizada, porque, pelo fato, é ele o verdadeiro Consolador”, percebemos que nessa última frase o “seu advento” está se referindo ao Espiritismo, o que pode ser conferido com o que foi colocado na primeira frase.
Podemos observar, ainda, que, nessa passagem bíblica mencionada, Jesus diz “voltarei para vós” (João 14,18), profecia que se realizou quando da implantação do Espiritismo; isso ficará mais claro quando identificarmos quem usou o nome de Espírito de Verdade.
Quando aparece pela primeira vez?
No dia 24 de março de 1856, Kardec estava, em seu escritório, escrevendo um texto sobre os Espíritos e suas manifestações, quando, por várias vezes, ouviu repetidas batidas, cuja causa não logrou sucesso em encontrá-la.
No dia seguinte, ou seja, 25 de março, era dia de sessão na casa do Sr. Baudin e, lá, Kardec interroga ao Espírito Z (Zéfiro) sobre a origem das batidas.
Acontecimento que consta do livro Obras Póstumas, da seguinte forma:
Pergunta – Ouvistes, sem dúvida, o relato que acabo de fazer; poderíeis dizer-me qual a causa daquelas pancadas que se fizeram ouvir com tanta persistência?
Resposta – Era teu Espírito Familiar.
P. – Com que fim foi ele bater daquele modo?
R. – Queria comunicar-se contigo.
P. – Poderíeis dizer-me quem é ele?
R. – Podes perguntar-lhe a ele mesmo, pois que está aqui.
P. – Meu Espírito familiar, quem quer que tu sejas, agradeço-te o me teres vindo visitar. Consentirás em dizer-me quem és?
R. – Para ti, chamar-me-ei A Verdade e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.
(Obras Póstumas, FEB, 2006, p. 304-306, grifo nosso).
Antes da próxima pergunta, Kardec colocou a seguinte nota: “Nessa época, ainda se não fazia distinção nenhuma entre as diversas categorias de Espíritos simpáticos.
Dava-se-lhes a todos a denominação de Espíritos familiares”.
Esse fato nos leva, consequentemente, à conclusão de que não se deve tomar ao pé da letra a expressão “meu Espírito familiar” como se fosse algum parente já desencarnado; tratava-se, no caso, do guia espiritual de Kardec, conforme ele mesmo afirma isso com relação ao Espírito de Verdade, como será visto mais à frente.
Indagando sobre o porquê das batidas, teve como resposta que havia um erro no que estava escrevendo naquela ocasião, fato que depois se confirmou.
Voltando às perguntas, continua Kardec:
P. – O nome Verdade, que adotaste, constitui uma alusão à verdade que eu procuro?
R. – Talvez; pelo menos, é um guia que te protegerá e ajudará.
P. – Poderei evocar-te em minha casa?
R. – Sim, para te assistir pelo pensamento; mas, para respostas escritas em tua casa, só daqui a muito tempo poderás obtê-las.
P. – Terás animado na Terra alguma personagem conhecida?
R. – Já te disse que, para ti, sou a Verdade; isto, para ti, quer dizer discrição: nada mais saberás a respeito.
(Obras Póstumas, FEB, 2006, p. 304-306, grifo nosso)
Em nota acrescida às respostas obtidas do Espírito de Verdade, realizada na casa do Sr. Baudin, a 09 de abril de 1856, portanto, cerca de quinze dias após as anteriores, Kardec, nos informa:
A proteção desse Espírito, cuja superioridade eu então estava longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou.
A sua solicitude e a dos bons Espíritos que agiam sob suas ordens, se manifestou em todas as circunstâncias de minha vida, quer a me remover dificuldades materiais, quer a me facilitar a execução dos meus trabalhos, quer, enfim, a me preservar dos efeitos da malignidade dos meus antagonistas, que foram sempre reduzidos à impotência.
(Obras Póstumas, FEB, 2006, p. 307, grifo nosso).
Diante disso, para nós, fica bem claro que Kardec ficou sabendo quem realmente era o Espírito de Verdade, visto ele confessar que estava longe de supor a sua superioridade, o que nos leva a concluir que deveria ser alguém de extraordinário valor, pois, se não fosse um Espírito de elevada categoria, teria dito o seu nome sem maiores reservas.
Por outro lado, foi um Espírito que esteve encarnado entre nós, ou seja, que foi reconhecido; caso contrário não se poderia supor a sua elevada evolução.
Além disso, o coloca à frente, na linha de comando, dos bons Espíritos, envolvidos nessa nova proposta de renovação da humanidade, ao afirmar que eles agiam sob suas ordens.
Algumas objeções têm-se feito quanto a essa superioridade, quando relacionada ao Espírito de Verdade, tendo em vista, principalmente, dois pontos: que dar pancadas não seria coisa que um Espírito superior faria, pois estaria se rebaixando, caso o fizesse; e também por ter sido tratado de Espírito familiar.
Para o primeiro ponto podemos encontrar uma explicação do próprio Kardec, em O Livro dos Médiuns, segunda parte – Cap. XI, item 145:
Resta-nos destruir um erro assaz espalhado: o de confundirem-se com os Espíritos batedores todos os Espíritos que se comunicam por meio de pancadas.
A tiptologia constitui um meio de comunicação como qualquer outro, e que não é, mais do que o da escrita, ou da palavra, indigno dos Espíritos elevados.
Todos os Espíritos, bons ou maus, podem servir-se dele, como dos diversos outros existentes.
O que caracteriza os Espíritos superiores é a elevação das ideias e não o instrumento de que se utilizem para exprimi-las.
Sem dúvida, eles preferem os meios mais cômodos e, sobretudo, mais rápidos; mas, na falta de lápis e de papel, não escrupulizarão de valer-se da vulgar mesa falante e a prova disso é que, por esse meio, se obtém os mais sublimes ditados. […].
Assim, pois, nem todos os Espíritos que se manifestam por pancadas são batedores. Este qualificativo deve ser reservado para os que, poderíamos chamar de batedores de profissão e que, por este meio, se deleitam em pregar partidas, para divertimentos de umas tantas pessoas, em aborrecer com as suas importunações…
Acrescentemos que, além de agirem quase sempre por conta própria, também são amiúde instrumentos de que lançam mão os Espíritos superiores, quando querem produzir efeitos materiais.
(O Livro dos Médiuns, FEB, 2007b, p. 198-199, grifo nosso).
Portanto, o que importa não é o meio pelo qual uma mensagem foi transmitida, mas tão-somente o seu conteúdo. Agora, quanto ao segundo ponto, ou seja, de ter sido identificado como um Espírito familiar, temos também a explicação de Kardec, já mencionada, de que, na época, não se fazia nenhuma distinção entre as diversas categorias de Espíritos simpáticos; eram todos genericamente chamados de Espíritos familiares.
Assim, o Espírito de Verdade se apresentou a Kardec e, por motivo de discrição, não disse absolutamente nada sobre si mesmo. Aliás, “muita discrição” foi a atitude que Ele recomendou ao Codificador.
(Obras Póstumas, 2006, p. 313).
É importante observar que isso aconteceu antes do lançamento de O Livro dos Espíritos; porém, se Kardec tivesse dito quem, de fato, Ele era e divulgado tal coisa, será que, hoje em dia, estaríamos falando sobre o Espiritismo?
Considerando que ainda não estamos nos fins dos tempos, época em que, segundo creem alguns, deverá acontecer a parusia (segunda vinda de Jesus a Terra), alguém aceitaria, sem maiores reservas, que seria verdadeira a sua identidade, ou acreditaria na revelação desse Espírito?
Feito isso, teria o Espiritismo sobrevivido?
Sua sobrevivência se deve ao fato de que, no princípio, Kardec sempre procurou ressaltar o aspecto científico da Doutrina. E isso não foi porque quis fazer dessa forma, mas, certamente, por atender orientação do Espírito de Verdade.
De certa forma, essa era a opinião de Herculano Pires, quando disse: “Kardec teve de agir com prudência na divulgação do Espiritismo, para que a reação violenta e fanática das religiões não asfixiasse no berço a nova mundividência que nascia das pesquisas mediúnicas.” (PIRES, 1990, p. 13).
Em 9 de agosto de 1863, Kardec, prestes a lançar o livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, fica sabendo o real objetivo do Espiritismo:
Aproxima-se a hora em que te será necessário apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo.
Aproxima-se a hora em que, à face do céu e da Terra, terás de proclamar que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã e a única instituição verdadeiramente divina e humana. […].
(Obras Póstumas, 2006, p. 340, grifo nosso).
Se o Espiritismo é a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo, não há como não aceitá-lo como uma religião, que, segundo o acima colocado, foi para o que veio. Teria algum bom motivo pelo qual Ele pessoalmente não viesse completar o que não pôde dizer naquela época?
Poucos dias depois, a 14 de setembro de 1863, Kardec recebe mais uma mensagem, da qual ressaltamos o seguinte trecho: “[…]
Nossa ação, sobretudo a do Espírito de Verdade, é constante ao teu derredor e tal que não a podes negar. […].
Com esta obra, o edifício começa a se livrar dos seus andaimes e já se lhe pode a cúpula a desenhar-se no horizonte.
(Obras Póstumas, 2006, p. 341, grifo nosso).
Fica demonstrada de forma explícita a ação do Espírito de Verdade sobre Kardec, que também O reconhecia como seu guia espiritual, fato que podemos confirmar em seus escritos publicados na Revista Espírita 1861 (p. 356):
“Sim, senhores, este fato é não só característico, mas é providencial. Eis, a este respeito, o que me dizia ainda ontem, antes da sessão, o meu guia espiritual: o Espírito de Verdade”. (grifo nosso).
Estranham algumas pessoas essa afirmativa de Kardec de que o Espírito de Verdade era seu guia espiritual. E aqui temos mais um bom motivo para que ele não o identificasse claramente como sendo Jesus, porquanto ridicularizariam tanto o Espiritismo quanto a ele, que, na melhor das hipóteses, seria tachado de mais um louco, entre milhares, que se dizem em contato com Jesus. Entretanto, a darmos crédito ao que Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier, afirma sobre o Codificador, essa possibilidade é bem real. Vejamos:
Um dos mais lúcidos discípulos do Cristo baixa ao planeta, compenetrado de sua missão consoladora, e, dois meses antes de Napoleão Bonaparte sagrar-se imperador, obrigando o Papa Pio VII a coroá-lo na igreja de Notre Dame, em Paris, nascia Allan Kardec, aos 3 de outubro de 1804, com a sagrada missão de abrir caminho ao Espiritismo, a grande voz do Consolador prometido ao mundo pela misericórdia de Jesus Cristo.
(XAVIER, 1987, p. 194, grifo nosso).
Emmanuel não deixa por menos, qualificando Kardec como “um dos mais lúcidos discípulos do Cristo”, fato que o coloca à altura da nobre missão que recebeu para trazer ao mundo a nova revelação, presidida, conforme vimos, pelo próprio Cristo.
Não vemos nenhuma impossibilidade de Jesus ter assistido a Kardec, pois algo parecido, como sabemos, aconteceu a Paulo, conforme relatado no Novo Testamento, no qual Jesus aparece ao apóstolo dos gentios, quando ele se diria a Damasco (At 9,3-5) e até mesmo o instrui a não ir a Bitínia (At 16,6-7). Aliás, é algo que todos nós aceitamos sem questionar, então, por que o fazemos em relação à Kardec?
Particularmente, acreditamos que esta condição de guia espiritual se relaciona ao período em que Kardec assumiu a missão de codificar a Doutrina Espírita, seguindo as orientações dos Espíritos Superiores, ou seja, um guia específico, que o ajudaria a cumprir essa missão.
Quem teria sido Kardec, numa reencarnação passada, para que o Espírito de Verdade o chamasse de “meu apóstolo”?
(KARDEC, 1990, p. 137)
Se, porventura, Kardec houvesse mesmo sido o reformador checo Jan Huss, em nova roupagem (INCONTRI, 2004, p. 22-24) ou talvez, quem sabe, o ressurgimento do antigo precursor, João Batista (ALEIXO, 2001, p. 40-41), teremos que vê-lo, em qualquer dessas hipóteses, como um missionário, cujas reencarnações estariam relacionadas à missão de anunciar e/ou restabelecer a revelação divina aos homens.
Em janeiro de 1862, Kardec publica na Revista Espírita um artigo intitulado “Ensaio sobre a interpretação da doutrina dos anjos decaídos”, sobre o qual houve várias mensagens dos Espíritos. Dentre elas, destacamos uma recebida em Haia (Holanda), cujo teor é:
Sobre este artigo não tenho senão poucas palavras a dizer, senão que é sublime de verdade; nada há a acrescentar, nada há a suprimir; bem felizes aqueles que unirem fé a essas belas palavras, aqueles que aceitarão esta Doutrina escrita por Kardec. Kardec é o homem eleito por Deus para instrução do homem desde o presente; são palavras inspiradas pelos Espíritos do bem, Espíritos muito superiores. Acrescentai-lhe fé; lede, estudai toda esta Doutrina: é um conselho que vos dou.
(Revista Espírita 1862, p. 115, grifo nosso).
Aqui temos a informação de que Kardec foi “o homem eleito por Deus para instrução do homem”, e somando-se à afirmação do Espírito de Verdade de que iria à sua casa “para te assistir pelo pensamento”, podemos deduzir que o Codificador era um médium de intuição, fato que poderemos também corroborar tomando-se de suas próprias palavras:
Sem ter nenhuma das qualidades exteriores da mediunidade efetiva, não contestamos em sermos assistidos em nossos trabalhos pelos Espíritos, porque temos deles provas muito evidentes para disto duvidar, o que devemos, sem dúvida, à nossa boa vontade, e o que é dado a cada um de merecer.
Além das ideias que reconhecemos nos serem sugeridas, é notável que os assuntos de estudo e observação, em uma palavra, tudo o que pode ser útil à realização da obra, nos chega sempre a propósito, - em outros tempos eu teria dito: como por encantamento –, de sorte que os materiais e os documentos do trabalho jamais nos fazem falta.
Se temos que tratar de um assunto, estamos certos de que, sem pedi-lo, os elementos necessários à sua elaboração nos são fornecidos, e isto por meios que nada têm senão de muito natural, mas que são, sem dúvida, provocados por colaboradores invisíveis, como tantas coisas que o mundo atribui ao acaso. (Revista Espírita 1867, p. 274, grifo nosso).
Um pouco mais à frente, em agosto de 1863, numa mensagem a respeito da publicação da Imitação do Evangelho, título da primeira publicação de O Evangelho Segundo o Espiritismo, entre outras coisas, foi dito a Kardec:
[…] Ao te escolherem, os Espíritos conheciam a solidez das tuas convicções e sabiam que a tua fé, qual muro de aço, resistiria a todos os ataques.
Entretanto, amigo, se a tua coragem ainda não desfaleceu sob a tarefa tão pesada que aceitaste, fica sabendo bem que foste feliz até ao presente, mas que é chegada a hora das dificuldades. Sim, caro Mestre, prepara-se a grande batalha; o fanatismo e a intolerância, exacerbados pelo bom êxito da tua propaganda, vão atacar-te e aos teus com armas envenenadas. Prepara-te para a luta. Tenho, porém, fé em ti, como tens fé em nós, e sei que a tua fé é das que transportam montanhas e fazem caminhar por sobre as águas.
Coragem, pois, e que a tua obra se complete. Conta conosco e conta, sobretudo, com a grande alma do Mestre de todos nós, que te protege de modo tão particular. (Obras Póstumas, p. 340-341, grifo nosso).
Nesta mensagem confirma-se que Kardec recebia uma proteção “de modo tão particular” de Jesus, designado como “Mestre de todos nós”, o que vem corroborar tudo quanto estamos citando a seu respeito em relação a ele ser uma pessoa especial, que o qualificava para a missão de trazer ao mundo a terceira revelação divina e ser assistido por quem pensamos que foi.
Além disso, podemos ainda citar do Espírito de Verdade: “As grandes missões só aos homens de escol são confiadas e Deus mesmo os coloca, sem que eles o procurem, no meio e na posição em que possam prestar concurso eficaz”
(O Livro dos Médiuns, FEB, 2007b, p. 488), o que nos permite, objetivamente, qualificar Kardec como um homem de escol.
Mas estaríamos, segundo alguns poderão supor, diante de uma outra dificuldade, qual seja: Jesus poderia se manifestar?
Não vemos nenhum problema nisso, desde que não o mantenhamos no pedestal em que foi colocado pelos teólogos de antanho, quando o transformaram num Deus, retirando-lhe a sua condição humana, da qual nunca negou ser.
É certo, pois nós, os espíritas, disso não duvidamos, que Ele é realmente um Espírito puro, e nessa condição, segundo a classificação dos Espíritos feita por Kardec, Jesus pode perfeitamente se comunicar, o que, por exemplo, pode ser corroborado pelo fato acontecido na estrada de Damasco, quando Ele aparece a Paulo de Tarso, questionando-o sobre porque Lhe perseguia (At 9,5) ou no episódio em que Ele não permite a Paulo e Silas seguirem para Bitínia (At 16,7).
Mais à frente, nesse estudo, ficará provado que além do Cristo estar em missão na Terra (Roustaing e São Paulo) era Ele quem presidia todos que participaram da codificação (Chateaubriand e Kardec), e que também Se manifestava (São José), situações que corroboram o que aqui expomos.
Quanto à natureza de Cristo, Kardec, até o mês de setembro de 1867, não quis entrar em maiores detalhes, argumentando:
[…] uma solução prematura, qualquer que ela seja, encontraria muita oposição de parte a parte, e afastaria do Espiritismo mais partidários do que ela lhe daria; eis por que a prudência nos faz um dever nos abstermos de toda polêmica sobre esse assunto, até que estejamos seguros de poder colocar o pé sobre um terreno sólido.
(Revista Espírita 1867, p. 272, grifo nosso).
É dentro desta mesma prudência que vemos o porquê de Kardec não ter também dito claramente que Jesus era o Espírito de Verdade.
Em O Livro dos Espíritos, 2ª parte, cap. I, item 113, Kardec ao referir-se aos Espíritos Puros disse: “Podem os homens pôr-se em comunicação com eles, […]” (KARDEC, 2007a, p.115), serve-nos para crer na real possibilidade das comunicações atribuídas a Jesus.
Pessoalmente acreditamos que é muito menos complicado comunicarem-se conosco do que virem como um de nós, e serem aprisionados num corpo físico, como aconteceu com o nosso “guia e modelo”, quando esteve encarnado aqui entre nós por uns trinta e poucos anos.
Isso ocorre por pura questão de vibrações; a nossa é tão inferior, em relação aos Espíritos puros, que embora torne difícil sintonizarmos com eles, não impede que isso aconteça; porém, em relação a reencarnarem entre nós por vontade divina, é, julgamos, mil vezes mais complexo, visto não se tratar de vibrações equivalentes, mas de vencer as leis que mais objetivam a encarnação de Espíritos compatíveis com as emanações vibratórias dos mundos inferiores, ou seja, de Espíritos imperfeitos.
No Evangelho, a quem esse nome poderia qualificar?
Mas, afinal, a quem poderíamos qualificar com o codinome a Verdade? De onde podemos tirar algo para relacionar com ele? Se o Espiritismo, conforme sustentam os Espíritos superiores, é o Cristianismo redivivo, só podemos encontrar alguma coisa no Evangelho, o que, convém lembrar, também foi sugestão de Kardec para que, assim, procedêssemos.
Fizemos uma pesquisa, na qual procuramos eliminar as passagens comuns entre os quatro evangelistas e, como resultado, encontramos Jesus empregando, por sessenta vezes, a expressão “Em verdade vos digo”, quantidade que reportamos bem significativa.
Podemos enumerar mais duas outras passagens para demonstrar a importância que Ele dava à palavra verdade.
Primeira: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (João 14,6).
No desdobramento da parte inicial desse versículo, teremos os três epítetos a que Jesus se atribui:
“Eu sou o Caminho. Eu sou a Verdade. Eu sou a Vida”.
Será que por aqui já não daria para identificarmos quem poderia se denominar a Verdade?
Segunda: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8,32) que, se a colocássemos dessa forma: “E conhecereis a Jesus, e Jesus vos libertará”, ficaria plenamente inteligível e, além disso, poderia perfeitamente ser aplicada.
Somente essas passagens já nos levaram a concluir que Jesus é, de fato, o Espírito de Verdade, pois estariam nelas as razões de ter usado o nome: a Verdade.
E colocamos a seguinte pergunta:
Algum Espírito superior teria a insensatez ou vaidade de usar o codinome a Verdade, sabendo que poderíamos relacioná-lo a Jesus
Improvável, pois a elevação que tais Espíritos atingiram não lhes permitiria dizer coisas dúbias que induziriam as pessoas a pensar coisas equivocadas, principalmente em se tratando de levar alguém a confundi-los com Jesus.
Veja Aqui - Quem é o Espírito de Verdade? Parte 2