O Inevitável Despertar - Apostila 21

O Inevitável Despertar - Apostila 21

 

   

 

Despertamento e Mediunidade - II 


Nos escritos de Holger Kalweit, publicados no livro Emergência Espiritual, estamos acompanhando a reavaliação dos fatores doença e morte, bem como entrevendo o verdadeiro pânico que eles causam aos ocidentais.

Em contra partida, e para comparar, Kalweit informa sobre a maneira que os asiáticos, e demais povos simples da Terra, com suas culturas milenares, encaram os mesmos fatores.   Estes, dentro do princípio da sobriedade e sacralidade, entendem a doença e a morte como meios de expurgar os maus hábitos acumulados não só numa existência física, fazendo parte, portanto, do processo de regeneração do Ser.

Os comentários acima referidos foram feitos na apostila 20, como preparação ao estudo dos efeitos da mediunidade nos acontecimentos que levam ao despertar da consciência, em razão de que, quando no processo de despertamento, o indivíduo apresenta aspectos fisiológicos que se confundem com estados patológicos.

Comparando, pois, o comportamento da cultura ocidental “civilizada” para com seus casos de doença, com a maneira como os povos simples enfocam suas idênticas situações, veremos de que forma devemos nos comportar naqueles momentos de desarmonia físio-psíquica, sem se deixar arrastar pelo pânico, mas, entendendo que é apenas um período de ajuste para adequar-se à faculdade mediúnica que começa a se instalar.

Obviamente, nossa observação não pretende criar padrões de conduta, pois como falamos desde o início desta série, e nas apostilas 01, 02 e 03 da série Mediunidade, esse processo de transformação é coisa muito pessoal.  Individualíssimo, podemos dizer.    Com a observação acima estamos apenas procurando ampliar  nosso campo de visão para demonstrar que as mesmas situações são vivenciadas de formas diferentes mediante as culturas que as enfocam.

Tendo como base esse parâmetro de informação, vamos prosseguir com nossa apostila, e desta feita, seguindo o texto de Kalweit, abordando o tema Xamã, pois que essa categoria de mediunidade é a mais conhecida, e talvez a mais antiga na humanidade.

Para os leitores que não sabem o que significa o termo Xamã, descrevemos que a palavra xamã significa, no dialeto dos povos Tungus da Sibéria e da Mongólia, homem inspirado pelos espíritos. Foi adotada pelos antropólogos para denominar pessoas, homens ou mulheres,  que desempenham funções de magia e evocações dentro de uma grande variedade de culturas anteriores ao que chamamos era moderna.

No intuito de dirimir preconceitos, podemos ainda estender nossa descrição dizendo que o Xamã não vê o cosmo composto por estrelas, planetas com toda sua composição, bem como os seres que pululam o insondável infinito, como coisas isoladas, como acontece com nossa visão, particularmente a ocidental.   Ao contrário, o Xamã vê uma contínua corrente de energia interligando e fundindo a tudo e a todos.  E´ neste oceano de energia que ele atua com sua arte mágica, interligando-se a todas as forças da natureza.  Portanto, um Ser que vivencia, em seu contínuo de existência, todas as dimensões num só tempo.  Diríamos, uma excepcional capacidade mediúnica.  Na figura 21A  ilustramos essa interação entre todos os reinos, energias nas quais, conscientemente, se aplica o Xamã.

 

 

E a seguir, reproduzimos parte do texto do evangelho essênio de João, onde fala dessa totalidade a que nos referimos acima:

 

Em verdade vos digo, o Homem é o Filho da Mãe Natureza, e dela o Filho do Homem recebeu todo o seu corpo, tal como o corpo da criança recém-nascida vem do ventre de sua mãe. 

Em verdade vos digo, sois uno com a Mãe Natureza; ela está em vós, e vós nela. 

Dela nasceste, nela viveis, e a ela voltareis novamente...

Pois vosso hálito é o seu hálito; vosso sangue é o seu sangue; vossos ossos os seus ossos; vossa carne, a sua carne; vossas entranhas, as suas entranhas, vossos olhos e ouvidos, os seus olhos e ouvidos."

(A primeira revelação do Evangelho Essênio de João, para nossa era, se deu em 1923, quando Edmond Szekely pesquisando os arquivos secretos do Vaticano o encontrou, a meio a tantos outros.  Nestes se incluíam manuscritos de outros apóstolos.  Todos condenados a continuarem ocultos nos arquivos secretos do Vaticano.  Por quê ?...     Szekely traduziu o texto de João e o publicou.)

Mas essa questão do Vaticano manter oculto relatos tão contundentes da história da humanidade, não diz respeito ao estudo desta série.  A reprodução feita acima teve como meta mostrar que o Ser humano e o cosmo em si, estão numa só e única totalidade, e que é nesta totalidade que os Xamãs atuam.

Voltando ao tema... no trilhar desse caminho de transformação psíquica que leva, inevitavelmente, à faculdade mediúnica, os povos das culturas tradicionais, sabem que “uma grave doença faz parte da experiência básica do caminho do xamã.”  (Kalweit)

Essa observação nos remete a fatos acontecidos conosco mesmo, bem como outros num sem número de pessoas que conhecemos.

Quando, no fragor do limiar dessas manifestações, sentíamos muitos efeitos de “doenças” que a medicina, embora consultada, não pôde diagnosticar.   Consultando médiuns e nos submetendo ao regime assistencial que ofereceram, foram os tais efeitos desaparecendo, enquanto que, proporcionalmente, se firmava a faculdade mediúnica. 

Uma vez esta, definitivamente, instalada, cessaram de todo os efeitos daquelas “doenças”.  Portanto, é sábia a maneira como os povos de culturas tradicionais encaram os maus estares súbito, aceitando-os como inevitáveis forças anunciadoras e preparadoras da faculdade xamânica, ou mediúnica.

Citando um desses acontecimentos, Kalweit relata sobre a transformação de Kyzlasov, um xamã siberiano, utilizando-se da informação prestada pela esposa do mesmo.  Ela disse:

“A doença o tomou quando ele tinha vinte e três anos de idade e ele se tornou xamã aos trinta (Grifos nossos).

Reparem com que naturalidade a esposa relata o acontecido.  Reconhecidamente ela entende que a doença, (que doença?), precedeu ao aparecimento dos poderes xamânicos do marido, e que fazia parte do processo.  Iniciou aos 23 anos, mas só aos 30 Kyzlasov completou o ciclo preparatório, tornando-se verdadeiramente xamã.

Essa doença que tanto confunde a ciência médica ocidental é por eles chamada de a doença do xamã.  E assim a esposa descreve:  “Enquanto estava enfermo, tinha sonhos: Ele era atacado repetidas vezes, em algumas ocasiões era transportado para lugares distantes.  Ele viajou muito em sonhos e viu muitas coisas...”

O autor não informa, mas presumimos que os tais sonhos deveriam ter todo o aspecto de pesadelos, já que neles Kyzlasov se sentia ameaçado por perigos.   De qualquer forma, a descrição é perfeitamente coincidente com as descrições dos sonhos que acometem os médiuns em suas fases preparatórias.

Até nos atrevemos a levantar uma hipótese a respeito.  Para nós, as características de tais sonhos indicam uma viagem ao inconsciente.  Dizendo de outra maneira, aos porões da consciência integral do Ser.   As cenas, então vivenciadas nos sonhos, revelam o reencontro com o passado, e a conseqüente revisão das mesmas, em busca da harmonização interior, tão necessária ao exercício mediúnico que irá iniciar-se.

Uma espécie de limpeza nos porões.  Remoção do “lixo” psíquico que impede a ascensão espiritual.  Podemos dizer que as confusas cenas, nos sonhos, com aspectos de absurdidade, se prendem à incapacidade do cérebro físico de suportar a fidelidade total da “viagem” efetuada. 

Se as cenas, em sua integridade, fossem transferidas à consciência humana, a personalidade física não resistiria à autenticidade do que em sonho foi repassado.   A pessoa sofreria desequilíbrios irremediáveis.

Assim também foi conosco durante o período em que vivenciamos nosso despertar.  Assim tem sido com todos, mas todos mesmo, que adentraram o caminho da mediunidade.   Nos sonhos de cada um variam as cenas registradas, afinal o que se guarda no porão da consciência é algo particularizado, todavia, a sistemática de revelação é comum a todos.

Mas voltemos ao relato de Kalweit, complementando a informação da esposa de Kyzlasov.

“Quem pega a doença do xamã e não começa a exercer o xamanismo sofre muito.  Pode perder a razão, pode até perder a vida.  Por isso, o doente é aconselhado:  “’Você deve assumir o xamanismo para não sofrer !’”

Esta última notificação tem toda aparência de crendice e superstição.   Naturalmente que para ela os céticos homens de ciência virarão as costas.  Não importa que assim façam.   Em nada esse gesto alterará a realidade.

Em nossa própria vida, repetimos, enfrentamos essa realidade.   Podemos descrevê-la como uma insuportável pressão.   Tanto fisiológica como emocional.   Fisiológica, no sentido dos, até então, inexplicáveis desarranjos orgânicos que apareciam e desapareciam sem razão aparente.   Emocional, porque tudo isso causava profundo desassossego e insatisfação com a vida.

A personalidade humana se sentia desnudada pela metade, como se só um lado do corpo, digamos o direito, ficasse encoberto, enquanto que a outra metade, a esquerda, estivesse exposta.

Isso dava a impressão de desajuste com a realidade humana.   Desta forma, analisando o meu transcurso pessoal, e de tantos outros médiuns de meu relacionamento, com segurança e convicção podemos dizer que a formulação acima expressada pela esposa de Kyzlasov não é crendice e nem superstição.  Tanto assim é que, tão logo iniciei a prática regular da mediunidade, aqueles efeitos devastadores desapareceram totalmente.  Assim pudemos observar em nós mesmos.

Descrevendo outros efeitos que acometem o despertar xamânico, como assim o denominam, Kalweit enumera:  “Eles têm dores de cabeça, náuseas e inapetência.”  Como vêm, exatamente, os mesmos sintomas que recaem sobre os nossos médiuns iniciantes.

Depois do depoimento acima reproduzido, Kalweit faz a seguinte reflexão, num comentário muito significativo:  “Toda doença é uma tentativa de cura e toda cura é uma tentativa de escapar da neurose cotidiana da consciência ordinária, a fim de chegar a uma forma de percepção mais sutil (...)  A doença que surge por causa de um chamado é por certo a forma mais elevada de doença – uma enfermidade sagrada que (...) possibilita o surgimento de intuições místicas e metafísicas.”  (Grifos nossos)

Sem dúvida que é uma profunda reflexão.  Um profundo reconhecimento da verdade e realidade espiritual.

Analisemos com nossas palavras:  Doença como tentativa de cura:  Parece um paradoxo, mas não é.  A bioquímica tem provado que os melhores antídotos – vacinas – são feitos com as substâncias da própria toxina que irá combater.  Desta forma, a nível espiritual, ocorre de modo igual.   A doença que se manifesta no corpo humano é o descarte de impurezas psíquicas, tão densas e comprometedoras que o expurgo tem de ser feito via células físicas.  E´ o chamado processo de somatização.   Logo, a doença é o antídoto que irá curar o campo mental do indivíduo.

Toda cura é uma tentativa de escapar da neurose cotidiana:  Outro ponto delicado a compreender.  A cura de que aqui se fala se refere ao campo mental.  Equilibrado este, depois do transcurso da “doença” transformativa, o indivíduo entra na fase intuitiva, melhor dizendo, cognoscitiva.  Para ele ficam abertas as fronteiras metafísicas, e sua compreensão se dilata sem limites.  Livre, nessa imensidão, seu desejo primeiro é afastar-se do ordinário, do cotidiano, pois este lhe parece extremamente acanhado.   O mundo físico se lhe torna pequeno, neurótico e falso.  Quer estar no mundo de todas as realidades.  Por isso, também, as  imagens dos sonhos são fracionadas e alegóricas.   A realidade total o martirizaria ainda mais.

E´, portanto, uma doença sagrada, iniciática, se assim podemos chamá-la, pois é ela que transfere o referencial de vida do indivíduo, de exclusivamente físico para uma comunhão universal.

Mas, como as informações descrevem, e a realidade por nós vivida comprova, não é nada fácil percorrer essa fase preparatória, que, contudo, é inevitável.   Isto é, simplesmente acontece.  (Ver apostila 35 da série Mediunidade).  E de comum, nessas horas, a reação natural é a recusa.    “O iniciado luta contra a sua dor, contra o seu sofrimento, ao mesmo tempo que se contrapõe às suas futuras funções sociais de xamã, (...)”  (Grifo nosso)

Essa é outra descrição realística de uma realidade inevitável.  Quanto nos lembramos da luta própria, usando de subterfúgios, para eximir-nos das funções sociais que a mediunidade nos trazia.   E elas cessaram de vez, mesmo ao longo dos mais de trinta anos após o despertamento ?   Não !, não cessaram, e cotidianamente alfinetam nossa disposição, mesmo em que pese o prazer da convivência com o mundo oculto.

Essa luta citada por Kalweit é aquela mesma que citamos na apostila 01, onde se falou do abandonar a personalidade anterior e toda a sua corte.  Resistência acentuada que todos os médiuns iniciantes oferecem ao processo pessoal, e cíclica, como disse acima, nos médiuns já praticantes, pois todos nos sentimos temerosos ante a expectativa do que virá a ser. 

Os iniciantes, então, sentem-se como se o chão derretesse sob os pés, e que nenhum solo sólido restaria onde apoiar.  Essa sensação é provocada pelo medo do desconhecido, onde se pergunta:

- Depois disso, em que nos transformaremos?

- Ele nos dará prazer ou dissabores ?

- Como irá ser nosso status social ?

- Estou numa aceitação consciente, ou sou arrastado por crendices ?

Sem respostas para tantas dúvidas, a reação possível é resistir ao processo de despertamento mediúnico.  Todavia, assim procedendo, o indivíduo se lança num círculo de tortura:  dúvidas, causam tormentos;  tormentos causam emoções díspares;  estas, levam à somatização de desarranjos orgânicos;  estes provocam mais dúvidas... 

E quase infindavelmente, o indivíduo mergulha na dor, até que uma luz se faça.   Daí, a importância de um orientador, com pendores espirituais, na vida de uma tal pessoa, como disso falamos nas apostilas 18 e 19.

- - - o 0 o - - -

Com os comentários acima vimos o comum dos fatos que acometem a todos os médiuns  iniciantes.   A inevitabilidade dos desarranjos com características fisiológicas, sem que, contudo, sejam patológicos, conforme a clássica orientação médica.   Não obstante, ocorrem, de fato, com todos os que nesse caminho são iniciados.   Apesar de assim posto, e aceito, torna-se, porém, irresistível fazer uma última pergunta, identicamente expressada por Kalweit nos seguintes termos:

“Por que temos de adoecer antes de podermos aceitar essa nova maneira de perceber?”

A resposta virá na próxima apostila.

(Nota:  Os trechos de Kalweit citados nesta apostila se encontram às  páginas 99 a 113 do livro Emergência Espiritual).

 

Bibliografia:

Allan Kardec                                                - O Livro dos Espíritos –                                           - Livraria Allan Kardec Editora

Léon Denis                                                  - O Problema do Ser, do Destino e da Dor páginas

                                                                         12, 72, 120 e 359                                                     - Federação Espírita Brasileira

Leopoldo Balduíno                                    - Psiquiatria e Mediunismo                                        - Federação Espírita brasileira

Stanislav Grof e Christina Grof                 - Emergência Espiritual                                             - Editora Cultrix

        

Apostila escrita por

LUIZ ANTONIO BRASIL

Setembro de 1997

Revisão em Abril de 2006

Distribuição gratuita citando a fonte

 

Menu Principal