O Inevitável Despertar - Apostila 17
As Transformações - III
Ao término da última apostila citamos um apontamento de dr. Roberto Assagioli cujo comentário prometemos para esta. Dizíamos que as tarefas são duais, mas que, todavia, a atividade é uma só, pois um só é o SER. E este é O Espírito, ou o EU Maior, o regente dos corpos, o único executor possível de toda e qualquer atividade.

Com a figura 17A estamos demonstrando o posicionamento do Eu Maior e os respectivos corpos que ele rege. Permanentemente ele está no plano Monádico, seu plano natural de existência. Assim como o corpo físico que está permanentemente no plano físico. Ou dimensão Monádica. De lá, de sua central de existência, comanda os veículos de manifestação que, como sondas, atuam nas demais dimensões. Por exemplo, animando o corpo físico que atua na terceira dimensão. Neste universo que habitamos.
Com esta figura ficam eliminadas quaisquer dúvidas quanto ao que se denomina de EU Maior. Também vem se tornando comum utilizar o termo Eu Sou como forma de designação para o Eu Maior. Tudo, entretanto se resumindo em palavras diferentes adotadas por simpatizantes desta ou daquela escola esotérica, mas que se referem ao mesmo Ente. Portanto, ao se depararem com variações terminológicas tenham em mente que se trata, apenas, dela, da Essência Imperecível de cada Ser. Outras informações a respeito, e com farto detalhamento, consultem as páginas das apostilas da série A Criatura.
Retomando ao tema desta apostila, falávamos que muitas são as tarefas que, porém, se sintetizam numa só atividade. Muitas e diferenciadas são as tarefas porque ele, o Eu Maior, as executa, temporariamente, em cada uma das dimensões a que consciencialmente esteja ativo. Exemplo: usando o corpo Físico e este estando no estado de vigília, teremos as ações comuns que executamos a cada dia; mas se o corpo Físico estiver no estado de sono, ou em processo anestésico, o nível consciencial passará ao corpo Astral, e será naquela dimensão que terá suas ações. E assim, sucessivamente em cada dimensão imediatamente superior à anterior.
Muitos dos sonhos, aqueles mais vívidos, são reflexos de ações desenvolvidas no plano Astral, e até no plano Mental. Aquele momento em que o corpo Físico está inativo, dormindo, podemos dizer, vegetando, mas o Eu Maior continua ativo, aliás, permanentemente ativo, usando seus outros corpos, como a figura 17A ilustra.
Dizíamos, ainda, que essa diferenciação de tarefas, em alguns casos, pode provocar no indivíduo a falsa interpretação de que uma das dimensões vivenciais seja mais importante que outra, fazendo com que suas preferências se concentrem naquela que ele considera de melhor qualidade. Quando assim acontece, e nesse ponto dos comentários da apostila 16 inserimos as notas de Assagioli, a pessoa passa a ser alvo das mais mordazes críticas.
Alegam amigos, parentes e terapeutas menos versados no conhecimento espiritual, que pelo fato dessa pessoa se deixar envolver pelos ideais espiritualizantes – como se fosse possível não se deixar envolver – está se tornando inapta para as tarefas da vida. “Esse tipo de crítica é muito doloroso e sua influência pode gerar dúvidas e desânimos,” diz Assagioli.
Todavia, todos nós que já estivemos diante dessa conjuntura transmutadora, sabemos bem que o despertar consciencial é um fato irreversível. Uma vez que tenha sido iniciado o processo, nada, mas nada, em absoluto, o detém, e os sofrimentos dele decorrentes, como fartamente temos comentado ao longo destas apostilas, são provocados, justamente, pelo tórrido medo de encarar a realidade subjacente à personalidade humana, ou, por desconhecê-la por completo.
Vejam, a seguir, na descrição de Léon Denis o porque da inevitabilidade desse transformar:
“(...) a alma oculta profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque ali mil objetos externos ocupam-no incessantemente. Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes agitada; mas, por baixo, se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e aparecerem.” (Grifo nosso) (Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor, página 359, editado pela Federação Espírita Brasileira)
Nessa magistral síntese, Denis ilustra o Ser em sua complexidade e unicidade, razão porque é de se encarar com naturalidade esse fato que, todavia, amedronta a tanta gente. Mas temos, também, uma outra descrição que fazemos questão de reproduzir. Ela encadeia toda essa problemática numa só definição.
Trata-se de Lancellin, autor espiritual, se referindo ao seu livro Iniciação-Viagem Astral, e ao inevitável impacto que ele causaria ao leitor. Sem dúvida, essa é uma magnífica e gigantesca obra da literatura do gênero. Vamos ao texto aludido:
“Este livro irá te trazer algum sofrimento, porque ele induz a uma vida nova, contrariando a seqüência em que provavelmente vives, e os teus corpos dinâmicos, que servem de instrumento para o espírito imortal, poderão entrar em estado de rejeição e te causar danos demorados. Entretanto, se tiveres a fé do tamanho de um grão de mostarda, no dizer do evangelho, vencerás.” (Grifos nossos) (Livro: Iniciação-Viagem Astral – página 25, psicografado por João Nunes Maia e editado pela Editora Espírita Cristã Fonte Viva)
Acima, estão duas inequívocas instruções que nos ilustram o Ser por inteiro, inclusive quanto aos traumas que mudanças desse gabarito provocam. Não obstante tantas dificuldades, num dado dia, mudar, se tornará inevitável àquela pessoa.

A rejeição a que se refere Lancellin trata-se do efeito de censura que o corpo Astral exerce sobre o Físico, como vimos na apostila 15, de onde repetimos a figura 15C, no parágrafo que chamamos de Remoção de Obstáculos. Para rememorar, no quadro 1 vemos o corpo Astral usando a “tesoura” para interromper o fluxo descendente do Eu Maior, impedindo-o de atingir a dimensão Física. E o que ele chama de “danos demorados” é tudo isso de que temos tratado ao longo dessas apostilas, nos referindo aos traumas inerentes ao processo do despertar espiritual, que, uma vez completado, fica como vemos no quadro 2, quando, então, temos o corpo Astral já devidamente domesticado e não mais obstaculando a descida do influxo consciencial.
Podemos ainda dizer que a razão dos impactos nas “potências ocultas” do Ser, que o fazem “entrar em estado de rejeição” consigo mesmo, vem do fato de que vivemos num mundo onde os valores cultuados pela sociedade são apenas os de ordem materialista. Ultimamente, até, a predominância tem sido para a desregrada inversão de valores, que tomou o nome de anticultura. Cultua-se a desordem. Numa comunidade em tais delírios não é, pois, de se estranhar que ao surgir alguém com tendências espiritualizantes, logo venha se tornar alvo das críticas mordazes.
Esse tipo de pressão que a sociedade impõe sobre uma tal pessoa pode deixá-la desnorteada, indecisa. A dúvida que lhe assoma é: aceitar, ou não, a diretriz espiritualizante para a qual se sente atraída? Por causa dessas dúvidas seus dias transformam-se em tumulto interior, levada que é a sentir-se na obrigação de justificar para a sociedade o seu comportamento.
E´ uma preocupação errônea e desnecessária essa de se imaginar na obrigação de prestar justificativa que satisfaça à sociedade, pois, simplesmente, jamais será encontrado um argumento satisfatório para acontecimentos que uma sociedade convulsa considera anormais. Jamais os padrões dessa sociedade permitirão compreender a pessoa em transformação. Essa preocupação leva à inquietude e torna a pessoa confusa. Às vezes até relapsa para com suas obrigações familiares e profissionais. Com a continuidade dessa instabilidade emocional, as dúvidas aumentam e poderá sobrevir um desânimo irreversível.
Deve-se ter em mente que não temos de fazer só o que todos fazem. Existe alguma razão imutável, ou inargumentável, para isso ?, ou pode a pessoa usar de seu bom-senso, de sua responsabilidade, de seu livre arbítrio, e promover a reformulação de sua vida como bem o desejar ?
Medo de fazer essa reformulação, de assumi-la ? Para dissipar essas dúvidas seguimos com um trecho de Assagioli abordando as situações desses momentos tão críticos do despertar espiritual.
“Quando ocorre, essa provação constitui um dos testes a serem enfrentados no caminho da auto-Realização. Seu valor está no fato de ensinar a vencer a sensibilidade pessoal, constituindo uma oportunidade de desenvolvimento da independência interior e da autoconfiança sem ressentimentos.”
Explicita Assagioli, confirmando o que comentamos acima, qual seja, de a pessoa acreditar em si mesma, sem ressentimentos, isto é, sem dar ouvidos aos preconceitos e críticas que a sociedade impuser.
Ponderando quanto ao tempo de vivenciamento dessas dúvidas, embora inegavelmente desagradável seja o acontecimento, diz Assagioli que, todavia, ele não perdurará para sempre. “Esse estágio passa, com o tempo, à medida que a pessoa aprende a dominar e a unificar a sua tarefa dual.” Isto é, a vivenciar com igual intensidade tanto a sua personalidade humana quanto sua contra-parte espiritual. “Mas quando as complexidades da tarefa não são reconhecidas nem aceitas, as tensões naturais do crescimento, presentes no processo, podem ser exacerbadas, durar por longos períodos ou se repetirem com freqüência desnecessária.”
Isso pode ser entendido mediante a comparação com a vida de uma criança. Na fase infantil segue a viver despreocupada, nada a induzindo a comportamentos sérios como os dos adultos. Com o crescimento natural começa a descobrir valores antes não percebidos. Surgem os conflitos. Encarar o mundo dos adultos como adulto, ou viver a nova idade irresponsavelmente como criança ?
Se encarar como adulto, em breve tempo se sentirá harmoniosamente incluído na engrenagem da vida, e nada desta o incomodará. Mas, se por outro lado não aceitar a designação natural da existência, a sociedade o rejeitará por ser improdutivo e parasitário para a comunidade. Ou seja, um indivíduo a ser isolado. Se assim for, será de longa duração seu infortúnio pessoal.
O quadro que se caracteriza nos processos de despertamento espiritual, portanto, inspira sólidos cuidados, pois, até que se atinja o equilibro ideal, a pessoa, como um pêndulo, oscilará, ora para o afastamento total da tarefa da vida humana, mergulhando de todo na busca do êxtase espiritual, e, noutro ciclo, abominará a espiritualidade, entregando-se de corpo e alma ao desregramento físico.
Desta forma, como uma criança que a crescer precisa da segurança que os pais possam lhe oferecer para guiá-la rumo ao mundo dos adultos, também uma pessoa nesse estado de crescimento espiritual precisará de mãos competentes para indicar-lhe o caminho certo. Principalmente “(...) quando o indivíduo se envolve tanto no processo de auto-transformação que exclui o mundo exterior com uma introversão obstinada e excessiva.”

Diríamos, introversão obsessiva, algo como ilustramos com a figura 17B, pois num quadro deste o indivíduo, sem dúvida, se encontra prisioneiro de inteligências que intentam desestruturá-lo usando de argumento cujo sentido é a aversão pelo conviver com o mundo. Intentam fechá-lo numa concha, como uma ostra, sugestionando-o de que assim deve ser para se defender de alguma possível agressão. E lá fica ele em seu círculo vicioso de introversão.
Quanto ao ato de excluir o mundo exterior, seja essa exclusão de modo consciente ou inconsciente, isto é, afastar-se do cotidiano da vida física por imaginar que a vida contemplativa dará paz espiritual, é um ato de terrível engano. Como dissemos na apostila 16, uma dimensão de vida não exclui a outra na ordem das importâncias. Tudo é uma seqüência lógica e necessária. A cada tempo vive-se aqui ou lá, mas nenhum dos estágios é superior em importância ao outro.

Com a figura 17C estamos mostrando, em síntese, as dimensões vivenciais. Temos a dimensão Física, também chamada de terceira dimensão, e as dimensões do Espírito, por sua vez distinguidas como quarta, quinta, etc, dimensões. Entretanto, todas dentro de um só sistema e criadas para um só fim, que é a evolução do Ser. Desta forma compreende-se que todas são de igual importância ao fim para o qual foram criadas. A diferenciação está apenas na ambiência de vida, pois cada dimensão possui sua característica própria, mas não no que se poderia pensar em termos de qualidade de uma em relação à outra.
E na apostila 16 assim deixamos registrado: Mas, quando mergulhado numa das dimensões o SER, por olvidar a existência de outros campos de vida, ou subestimar uma pela outra, a si mesmo causará o que podemos chamar de distonia social. Quer dizer, negligenciar uma das tarefas e superestimar outra, como se fossem atividades isoladas. Como se ele fosse um SER dividido. Pois bem, podemos dizer que somente vivenciando processos, brandos ou severos, de alienação, é que se adota a exclusão de uma dimensão, supervalorizando outra.
Também na apostila 15 ficaram anotações a respeito alertando para a inevitabilidade de que o processo de transformação não pode ser percorrido isentando-se, a pessoa, de seu convívio familiar e social.
Ainda dentro dessa específica situação em que a pessoa se refugia em si mesmo para evitar ouvir comentários a seu respeito, Assagioli tem outra não menos importante advertência.
“Dificuldades semelhantes podem surgir se a pessoa não lidar com seus aspectos negativos revelados no processo de despertar espiritual.”
Isso a que se refere Assagioli é a descrição da complementação de comportamentos que a pessoa se deixa proceder. Isto é, diante da extasiante experiência espiritual passa a se julgar tão superior que não mais enxerga suas tendências grosseiras, deixando, assim, de se autocorrigir. Todavia, a pessoa deve lembrar que o processo de despertamento espiritual se refere à reforma e transformação do Ser. Não se trata de aplicar tinta nova sobre parede antiga.
A conclusão é clara. Nesse processo de transformação a pessoa terá de derrubar paredes impróprias – negativas – à nova etapa que passará a viver. Terá de encarar, frente a frente, o seu lado ruim. Sem ressentimentos, disse Assagioli, linhas acima. Isto é, sem relutância.
O prejudicial de não aceitar a demolição do que seja impróprio, e que ainda habita dentro de si, mesmo adotando o novo sentido, é que “sob essa dupla pressão, não é incomum que a pessoa seja acometida por uma variedade de problemas psicológicos, como a insônia, depressão emocional, exaustão, aridez, agitação mental e inquietação.”
Todo esse elenco de infortúnios, realmente, se torna repetitivo naqueles casos conforme aventado por Assagioli. Isto é, naqueles casos em que a pessoa fica pesarosa em demolir o impróprio à nova performance de vida que sente despontar.
Mas Assagioli dá a receita para reverter essa desconfortável situação: “Muitos desses problemas podem ser bastante reduzidos ou eliminados de vez mediante a busca do próprio processo de crescimento com afinco, dedicação e zelo, mas sem identificação com ele.” Com outras palavras, agir com naturalidade, sem exageros, seguindo um ritmo que lhe seja suportável.
Abaixo expomos um resumo de orientações que facilitam a harmonização:
1 – A pessoa conscientizar-se de que o processo de despertamento espiritual é irreversível. E´ como embarcar num veículo em movimento. De início tomamos um tranco, pois estamos parados no caminho.
Quadro 1 da figura 17D: O veículo se aproxima, mas não pára para que nele possamos embarcar.
Quadro 2: Estendemos os braços, agarramos um ponto de apoio e... mais arrastados que impulsionados, nos vemos dentro do mesmo. Só depois de alguns segundos é que nos sentimos equilibrados em seu interior. Então a viagem se torna agradável.

2 – Aceitar a nova situação e passar a trabalhar a si mesma, mantendo atenção aos limites pessoais, mas sem ser relapsa. Isto é, sem fugir da auto-reforma. Importantíssimo a atenção sobre si mesmo, afinal tudo estará em transformação. Não só o psiquismo. Também fases de funcionamento do organismo se mostrarão alteradas. E em idades críticas como nas mulheres em fase pré-menopausa e homens pré-andropausa, as tendências incomodatícias de uma tal transformação poderão ser ainda maiores. Nada, entretanto, que possa alarmar.
3 – Manter sua vida familiar e social no comum de antes, eliminando dela somente o que suas forças reformadas forem capazes de o fazer sem causar traumas.
Como vemos, um transcurso a ser vivido sob cuidados. Nessa fase de crescimento, são fundamentais as abalizadas orientações que se receba. Daí a importância dos orientadores espirituais. Os guias, como os chama Assagioli. E´ o que veremos na próxima apostila.
- - - o 0 o - - -
Nota: Os trechos de Assagioli citados nesta apostila estão contidos nas páginas 61, 62 e 63 do livro Emergência Espiritual.
Bibliografia:
Allan Kardec - O Livro dos Espíritos
– questões 674 a 685, 695 a 699, 718 a 727, 728 a 736, 738, 766 a 772 - Livraria Allan Kardec Editora
Léon Denis - O Problema do Ser, do Destino e da Dor páginas
12, 72, 120 e 359 - Federação Espírita Brasileira
Lancellin/João Nunes Maia - Iniciação – Viagem Astral - Editora Espírita Cristã Fonte Viva
Roberto Assagioli - Psicossíntese - Editora Cultrix
Stanislav Grof e Christina Grof - Emergência Espiritual - Editora Cultrix
Apostila escrita por
LUIZ ANTONIO BRASIL
Setembro de 1997
Distribuição gratuita citando a fonte