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Jesus comeu peixe?

 Jesus comeu peixe?

Comportamento

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  • Introdução

É comum, num debate sobre veganismo, ouvir que Jesus não só comeu peixe como também multiplicou e ajudou os apóstolos a pescá-los; a afirmativa geralmente busca justificar o consumo de animais.

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Em defesa do contrário, geralmente se diz que o contexto não permitia que fosse diferente, pois as pessoas da época não entenderiam; ou que Jesus era e pregou, sim, o vegetarianismo, mas isso foi suprimido pelos seus seguidores.

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O argumento a favor de Jesus ter comido peixe encontra embasamento no Novo Testamento, só que em apenas um versículo e em um só dos quatro Evangelhos, em Lucas 24:43, o que problematiza e enfraquece a afirmação. Aliás, a questão se agrava, pois a ocasião se deu após a Sua ressurreição, doutrina central da fé e da teologia cristã, ou seja, não haveria melhor forma de afirmar este dogma do que mostrar Jesus comendo com o seu próprio corpo, ressuscitado. Será que tais motivações afetaram o texto canônico?

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Já o argumento de que o momento histórico não permitia é frágil, uma vez que os essênios, grupo judaico que Jesus sem dúvidas conheceu, eram vegetarianos, assim como possivelmente também o era João Batista, chamado de seu precursor, apenas para citar dois exemplos.

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Por outro lado, esse argumento do momento histórico pode ser útil para evitar anacronismos, ou seja, atribuir àquela época ideias e sentimentos que são de hoje. Não havia indústrias exploradoras de animais e suas nocivas consequências, nem energia elétrica e eletrodomésticos para conservação dos corpos de animais, sequer o seu consumo era regra, pelo contrário, a alimentação típica era de vegetais, principalmente feijões, lentilhas, figos, tâmaras, amêndoas, pão integral e frutas.

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Acima disso, havia a miséria! Ter o que comer para muiutos era questão de sobrevivência, momento sagrado, e não para servir ao deus estômago como se faz hoje em dia, por aqueles que podem. Portanto, se Jesus indicou onde lançar as redes (e se se tratava mesmo de peixes reais ou criação de sua mente como alguns argumentam) propósitos maiores ali haviam, não sendo reazoável o uso de tais argumentos para justificar a matança anual de cerca de 1 TRILHÃO DE ANIMAIS MARINHOS SENCIENTES, formando as tantas zonas mortas nos oceanos, que ameaçam a vida na Terra, especialmente os mais empobrecidos.  

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Quanto à multiplicação dos pães e peixes relatada pelos evangelistas, se as ocasiões por si só não podem ser utilizadas para justificar o consumo atual de animais por se tratar de episódios específicos de sobrevivência, vez que segundo os evangelhos se tratava de cinco mil pessoas (famílias, crianças, mulheres, idosos) que seguiam Jesus e estavam famintas em um lugar desértico, já no fim da tarde, o fato é entendido por Allan Kardec como sendo uma parábola, em que se compara o alimento espiritual da alma ao alimento do corpo. Para Kardec, a poderosa ação magnética de Jesus lhes saciou a fome, como consta em A Gênese. [1]

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Por ora, resta investigar possíveis supressões ou acréscimos aos escritos canônicos que porventura tiveram intenções de ocultar um Jesus vegetariano, por alguma razão.

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Fato é que utilizar Jesus para fundamentar o consumo de animais não é novidade, existe desde sua morte, mas ganhou força com a aliança da Igreja Católica com o imperador Constantino. Os representantes da Igreja Católica trabalharam arduamente para a prevalência desta tese.

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Interesses políticos, de poder, levaram pessoas e grupos à condenação por heresia, por crerem (dentre outras coisas) “no absurdo” de um Jesus que não comia animais. Apagamento de culturas foram feitas. Rios de sangue jorraram…Vide os cátaros, vegetarianos.

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Notadamente, venceu a tese de um Jesus comedor de animais, apesar de não sem refutações. Porém, devido ao crescimento dos movimentos de proteção animal, sobretudo a partir do século 18, o debate voltou à tona, ainda com mais intensidade.

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A meu ver, uma das maiores contradições das religiões que pregam o amor é não conduzirem os seus adeptos ao vegetarianismo. Há algo deveras contraditório quando um cristão, de qualquer vertente, declara seu amor ao churrasco, por exemplo, indiferente ao direito à vida daqueles animais e ainda tendo como base Jesus, que para algumas tradições é o próprio Deus.

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Considero, respeitosamente, que há falha grave nesta formação. Uma dívida histórica com os animais, que poderia ser paga por meio de uma nova formação (uma ética ou teologia de libertação animal), onde a religião e Jesus possam ser inspirações para a libertação animal.

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Tal argumentação é voz corrente também no movimento espírita (meu foco), que entende Jesus como Guia e Modelo da humanidade, e o utilizam como argumento irrefutável, dizendo: ora, se Jesus comeu animais, quem sou eu para fazer diferente? Ou melhor, quem é você (vegano) para não segui-Lo! Afinal, Ele mesmo afirmou que “não é o que entra pela boca que contamina o homem”, argumentam.

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É comum ouvir de diversos espíritas famosos, o argumento acima. Fato contraditório com a proposta espírita de Evangelho Redivivo, que no caso particular dos animais, nada tem restaurado, pois segue apresentando o mesmo Jesus das tradições religiosas antigas, indiferente aos animais.

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Desse modo, se faz oportuno delinear em que base se sustentam os argumentos a favor e contra, bem como, quais as consequências globais da predominância de um Jesus consumidor de animais, uma vez que estamos falando do ser mais influente da história.

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A questão, portanto, pode parecer de menor importância. Todavia, entendo que é mais profunda do que parece, não por Jesus ter ou não comido animais, mas pelas graves consequências desta justificativa ao longo de dois milênios! Consequências de ordem ético, moral, cultural, ambiental, social, política…

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Apresentei noutro artigo (https://eticaanimalespirita.org/2020/04/08/o-espiritismo-e-especista/como determinadas tradições religiosas e também o espiritismo têm dado a Jesus o título de maior especista e antropocêntrico da Terra.

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Enfatizei que, agindo assim, o movimento espírita afasta pessoas do espiritismo; afasta a ciência do espiritismo, a juventude do espiritismo e os animais de serem libertados de tanta crueldade, já que reforçam um estilo de vida predatório onde são mortos anualmente 70 bilhões de animais terrestres, 1 trilhão de animais marinhos, 100 milhões de animais em testes…

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A questão, para o movimento espírita, é ainda mais tensionada em virtude das seguintes constatações:

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  1. O crescente desinteresse e descrédito às questões espirituais/religiosas nos últimos séculos;
  2. O avanço da ciência atestando peremptoriamente a consciência, senciência e inteligência dos animais;
  3. O fato de o século XIX ter sido um marco na consolidação de uma nova sensibilidade da humanidade em relação aos animais e ao meio ambiente;
  4. O surgimento cada vez maior de movimentos de proteção animal no mundo, como o veganismo.
  5. As centenas de mensagens da literatura espírita a favor de uma ética animal.

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Tudo isso problematiza ainda mais a questão para o movimento espírita, seja pela sua vocação doutrinária para ser um movimento que contribua com a formaçao de uma cultura de fraternidade a todos os seres, decorrente de sua própria literatura, seja pela sua localização temporal histórica num tempo demarcado pela crescente onda de proteção da Natureza.

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Enfim, o assunto merece estudos, quiçá justiça à figura de Jesus e às maiores vítimas inocentes do planeta, os animais. Diante deste incômodo, suscitei os seguintes questionamentos:

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  1. Estaria o movimento espírita atento a este fato? Ou estaria perdendo o bonde da história, cometendo os mesmos equívocos das religiões antigas, neste particular?
  2. Estaria Jesus, novamente, sendo utilizado como fundamento de violência, agora contra os animais não-humanos? Não bastariam todas as guerras e opressões feitas em Seu nome?
  3. Se houve deturpação da mensagem de Jesus, teriam também os interesses da época ocultado o seu vegetarianismo e relação de amor com os animais?
  4. O que os escritos não-canônicos, apócrifos, e não menos relevantes, teriam a dizer sobre isto?
  5. E a chamada literatura espiritualista, também respeitável, que disseram?
  6. Se o Espiritismo não crê na ressurreição de Jesus em corpo físico, mas sim que suas aparições após a crucificação foram em corpo fluídico, é oportuno crer na afirmação de que Ele comeu peixe após a ressureição?
  7. Os poucos registros nos escritos canônicos que apontam para um Jesus que consumiu animais são suficientes para se sustentar um Jesus consumidor de animais?
  8. Ou pior, é justo e sábio legitimar o consumo atual de animais e toda sorte de crueldade que se faz com base nestes poucos registros?
  9. Estariam sendo erroneamente interpretados à luz da letra e não do espírito que vivifica?
  10. É possível, pelos próprios escritos canônicos, sustentar a tese de um Jesus vegetariano e pregador de uma ética de libertação animal?

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É sobre estas e outras indagações que me debruçarei neste singelo texto. Vamos juntos?

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Antes, porém, te confesso, que o Jesus que creio não endossadoria a exploração-opressão de animais. O contrário, não faz sentido, ao menos para mim.    

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Convido-os, então, a me doar um pouco do seu tempo e passear comigo por possíveis caminhos de compreensão da alimentação e relação de Jesus com os animais à luz do estudo bíblico, da história conflituosa das tradições religiosas e do conjunto literário espírita e espiritualista, para ao final oferecer-lhes a ideia de que Jesus pode ser o próprio argumento a favor de uma ética de libertação animal.

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Caminho desafiador, perturbador para alguns, porém libertador. Diria até mesmo, “salvador” de muitos seres que querem e têm o direito divino e legítimo de viver sem a exploração-opressão atual; ao invés, com a cooperação humana.

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Quem sabe, por meio do próprio Jesus, alguém perceba a necessidade de abolir hábitos nocivos aos animais e à Natureza e agir sociopoliticamente para mudar o sistema; passe a enxergar a contradição que deturpa nossas noções de justiça, amor e caridade, fazendo crer que: O AMOR SE ALIMENTOU E PRESCREVEU A VIOLÊNCIA!

Em essência, é disso que estamos falando.

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Sigamos…

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  • Reflexões bíblicas

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Notadamente, não se trata de um trabalho de exegese bíblica ou de história, não sou especialista. Tecerei apenas reflexões que possam sustentar a ideia que acredito ser mais coerente, à luz do método kardequiano de compreensão dos texto bíblicos, que visa extrair o espírito da letra, indo além do sentido alegórico.

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Mais especificamente, me valho dos métodos do NEPE – Núcleo de Estudo e Pesquisa do Evangelho. No site do NEPE você pode encontrar os detalhes do método: http://www.nepebrasil.org/o-que-e-o-nepe

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  • Jesus comeu peixe? (Lucas 24:41-43)

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“Maravilhando-se, e ainda não acreditando nele por causa da alegria, disse-lhes: Tendes aqui algo para comer? Eles lhe deram uma porção de peixe assado; tomando-o, ele comeu na presença deles.”

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A afirmação de que Jesus comeu peixe encontra embasamento em apenas um versículo e em um só dos quatro Evangelhos, e isso após a sua ressurreição, doutrina central da fé e da teologia cristã. Fato que permite pensar em alguma intencionalidade que possa ter afetado e até mesmo alterado o texto canônico.

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Dessa forma, não é desarrazoado crer na intencionalidade de se afirmar o dogma, através da narrativa de Jesus comendo com o seu próprio corpo físico, ressuscitado. Segundo a fé cristã, essa intenção é compreensível, tendo em vista a importância do fenômeno da ressurreição para a confirmação e ampliação da Boa Nova; mesmo porque os próprios apóstolos duvidavam, sendo oportuno que Jesus se valesse de meios de convencimento adequados à compreensão.

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Por outro lado, aceitando a hipótese de que aconteceu conforme a narrativa bíblica, talvez Jesus como um professor aproveitou a oportunidade para ensinar sobre a imortalidade, de maneira adequada à compreensão daquele tempo, onde não havia os estudos do corpo espiritual trazidos pelo Espiritismo, por exemplo.

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A imortalidade é das mais importantes na fé cristã. Jesus profetizou a sua morte e ressurreição pelo menos quatro vezes no Novo Testamento, afirmando que depois de três dias ressuscitaria. Portanto, considero mais coerente crer que Jesus possa ter se valido da ocasião da refeição para confirmar a sua vitória sobre a morte conforme ele próprio havia anunciado que faria.

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E vale destacar que o texto evangélico apresenta outras aparições buscando afirmar a ressurreição/imortalidade, como aquela em que Tomé toca com as mãos as chagas de Jesus, em João 20: 24-31. Ocasião em que os discípulos estavam reunidos de portas trancadas, e Jesus aparece no recinto e se põe em pé no meio deles. Tomé que até então duvidava passa a crer.

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Dessa forma, me parece mais coerente com o amor incondicional de Jesus crer que o recurso pedagógico utilizado na ocasião do consumo de peixe em análise não se deu para estimular ou endossar o consumo e a exploração-opressão de animais, pelo contrário, foi para dizer das coisas do Reino de Deus.

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Considero temerário concluir, deste episódio isolado e enigmático, uma prescrição ou endosso de Jesus ao consumo de animais sencientes que querem e têm o direito de viver e que lutam pela sua vida como qualquer outro. No caso, basta observar um peixe se debatendo num anzol. VOCÊ ACHA MESMO QUE ELE GOSTARIA DE ESTAR ALI? VOCÊ GOSTARIA DE ESTAR NO LUGAR DELE?

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A pergunta é válida pois o próprio Jesus ensinou a regra de ouro, “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (Mateus 7:12).

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E os animais, também são os outros, não só os humanos! No amai o próximo, eles estão incluídos. Joanna de Ângelis enfatiza quem são os nossos próximos:

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O indivíduo que se apiada do sofrimento do seu PRÓXIMO – VEGETAL, ANIMAL OU HUMANO – desejando ajudá-lo, facilmente se ilumina, em face do conhecimento que possui em torno do significado existencial da vida na Terra. Esse fenômeno é resultado das tendências universais resultantes do processo da evolução moral, manifestando-se nesse expressivo sentimento de compaixão, dos mais altos que a psique humana pode exteriorizar” [1].

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Por fim, oportuno mencionar que o Espiritismo não crê na ressurreição de Jesus em corpo físico, tanto pela impossibilidade científica quanto pela revelação do espírito e do períspirito e suas propriedades. Allan Kardec entendeu que as aparições do Mestre após a crucificação se deram em corpo fluídico e não em corpo físico [2], não havendo, portanto, nenhuma necessidade biológica de se alimentar, a não ser como recurso pedagógico, como dito.

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Passemos então ao outro argumento comumente utilizado a favor de um Jesus consumidor de animais.

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  • (Mateus 14:13-21; Marcos 6:30-44, Lucas 9:10-17; João 6:1-15)

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“[…] Chegado o fim da tarde, os seus discípulos aproximaram-se dele, dizendo: O lugar é ermo e a hora já está adiantada; despede as turbas, para que voltem para suas aldeias e comprem alimentos para si mesmos. Jesus, porém, lhes disse: Não é necessário irem embora. Dai-lhes de comer, vós mesmos. Então, eles lhe dizem: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes. Ele disse: Trazei-os aqui. Após ordenar que as turbas se reclinassem sobre a relva, tomou os cinco pães e dois peixes, olhou para ao céu, abençoou, partiu os pães, deu-os aos discípulos, e os discípulos às turbas. Todos comeram e saciaram-se; e levaram o que sobrava dos pedaços, doze cestos de vime cheios. E os que comeram foram cerca de cinco mil homens, fora mulheres e crianças.” (Mateus 14:15-21)

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Inicialmente, oportuno frisar que nem todos os evangelistas narram a multiplicação dos peixes mas, sim, dos pães. A maioria destaca que Jesus olhou para o céu abençoou os pães e os partiu. O peixe, na ocasião, não era o foco da narrativa, mas, sim, o pão. De toda forma, esse argumento é frágil.

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Partindo do texto bíblico, a ocasião é peculiar, se trata da sobrevivência de cinco mil pessoas, crianças, idosos, doentes, todos famintos e em lugar desértico, já no fim da tarde. Notadamente que Jesus não seria indiferente à necessidade daquelas pessoas que o seguiam. Então, pergunto, dentre as possibilidades que Jesus tinha para alimentá-las, considerando a crença em “poderes sobrenaturais”, escolheria logo o peixe, um ser senciente, que tanto sofre com a sua captura e morte?

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Deixe-me falar um instante sobre os peixes. Você sabia que os peixes sentem? A ciência hoje demonstra que eles são seres extremamente complexos, com apurado desenvolvimento social e dotados das mesmas capacidades que nós seres humanos temos em sentir dor, medo, alegria, desejo de liberdade etc. [3]

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Diz a investigação científica: “Os peixes constroem ninhos complexos, formam relações monogâmicas, caçam de modo cooperativo com outras espécies e usam ferramentas. Reconhecem-se uns aos outros como indivíduos (e mantem um registro de quem merece confiança e quem não merece). Tomam decisões individualmente, monitoram o prestígio social e competem por melhores posições (usam estratégias maquiavélicas de manipulação, punição e reconciliação). Têm significativa memória de longo prazo, habilidade para transmitir conhecimento uns aos outros e também podem passar informações de geração a geração. Têm, até mesmo, o que a literatura científica chama de tradições culturais duradouras para caminhos específicos até locais de alimentação, instrução, descanso ou acasalamento”. [4]

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Ora, quem melhor para saber disso do que Jesus, pois segundo obras e crenças espíritas, ele criou/moldou a Terra e a Governa?

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Não posso deixar também de recordar Francisco de Assis e sua relação com os peixes. Registrou seu primeiro biógrafo: “se lhe era possível, devolvia à água, vivos, os peixes capturados, e recomendava-lhes que não se deixassem apanhar de novo”. Mesmo quando no lago de Rieti recebeu uma tainha de um amigo, “pegou o Santo na tainha e, cheio de alegria e ternura, saudou-a por irmã. Em seguida, restituiu-a às águas do lago” [5].

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Portanto, não acho razoável esta possibilidade, a não ser como recurso pedagógico, repito. Seria mais coerente a “multiplicação” de pães e não de peixes. Poderia até se dizer que os dois peixes citados já estavam ali, mortos, pescados pela multidão, e que portanto Jesus não colaborou com sua morte, mas prefiro ainda a ideia do pão.

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Todavia, acima da ideia do pão, e respondendo a pergunta sobre as possibilidades de saciar a multidão,prefiro a ideia de Allan Kardec, que indo além da interpretação literal ENTENDEU QUE O EPISÓDIO SE TRATA DE UMA PARÁBOLA, onde se comparou o alimento espiritual da alma ao alimento do corpo. Para Kardec, a PODEROSA AÇÃO MAGNÉTICA DE JESUS LHES SACIOU A FOME, como se pode ler em A Gênese. [6]

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Em todo caso, mais uma vez, friso: mesmo que tivesse ocorrido exatamente conforme as narrativas evangélicas as ocasiões nem de longe deveriam ser utilizadas para justificar a exploração-opressão atual de animais.

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De modo a não estender demais este artigo, não abordarei a ceia pascal e outros ocasiões da pesca, respondendo-as por enquanto com o mesmo argumento sobre a pedagogia de Jesus anteriormente levantado. Sigamos, passeando por outros textos bíblicos.

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  • Outros versículos sobre a alimentação de Jesus

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Importante salientar outras ocasiões bíblicas que tratam da relação de Jesus com a alimentação, a favor de uma interpretação que englobe obrigatoriamente a consideração moral pelos animais.

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  • (João 4:31-34): “E entretanto os seus discípulos lhe rogaram, dizendo: Rabi, come. Ele, porém, lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis. Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer? Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra.”

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Na crença cristã, fazer a vontade de Deus é o que mais importa. Enquanto os discípulos estavam legitimamente preocupados com a fome de Jesus, com a matéria, Jesus mostra que sua preocupação era bem outra, a mais importante.

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No caso dele, considerado pelos espíritas um espírito puro, se havia necessidade biológica de saciar a fome do corpo, ele não só exerceria um pleno controle sobre ela como poderia saciá-la de várias maneiras. E por questão de coerência com a sua ética de não-violência. João Batista, era vegetariano, ao que parece, assim como os essênios, conforme já mencionado. Vale também relembrar os jejuns, os recolhimentos para oração e a água, que aparecem constantemente nos atos de Jesus.

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Para Allan Kardec, as necessidades mais materiais são de homens atrasados, e não de espíritos evoluídos, muito menos de um Cristo. Vejamos:

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“No homem, há um período de transição em que ele mal se distingue do bruto. Nas primeiras idades, domina o instinto animal e a luta ainda tem por móvel a satisfação das necessidades materiais. Mais tarde, contrabalançam-se o instinto animal e o sentimento moral; luta então o homem, não mais para se alimentar, porém, para satisfazer à sua ambição, ao seu orgulho, à necessidade, que experimenta, de dominar. Para isso, ainda lhe é preciso destruir. Todavia, à medida que o senso moral prepondera, desenvolve-se a sensibilidade, diminui a necessidade de destruir, acaba mesmo por desaparecer, por se tornar odiosa. O HOMEM GANHA HORROR AO SANGUE” [7].

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Os espíritos também foram enfáticos, conforme se depreende de O Livro dos Espíritos. Vejamos a questão 733. Entre os homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição? “Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”

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Obviamente, precisamos nos alimentar. Nesse sentido, cabem perguntas aos espíritas, na linha dos seus próprios princípios cristãos-espíritas: como fazer a vontade de Deus também na alimentação? Estaria a alimentação excluída da ética, moral, espíritas?

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A resposta poderia levar diretamente a uma dieta sem animais e derivados, ao vegetarianismo ou outras formas de alimentação sem violência, além da necessidade de engajamento pela mudança sociopolítica do sistema alimentar. Negar isso em pleno século 21, num tempo de emergência climática sem precedentes, é não desejar fazer a vontade de Deus!

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Mudanças climáticas, escassez de água doce, produção monumental de lixo, desertificação do solo, destruição sistemática e veloz da biodiversidade, acidez dos oceanos, entre outros têm sido os rastros do atual sistema capitalista no planeta, levando os cientistas a declararem que estamos promovendo um ECOCÍDIO! [8]

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Segundo relatório divulgado pela FAO/ONU, cerca de 70% das novas doenças que infectam seres humanos nas últimas décadas estão relacionadas à criação e consumo de animais. O relatório destaca que é preciso lidar com as saúdes humana, animal e do ecossistema de forma integrada, numa abordagem “holística” para a gestão de ameaças de doenças [9].

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O novo coronavírus é mais uma pandemia decorrente da criação e consumo de animais, da prática cruel de confinar, abater, comercializar e consumir animais em condições lastimáveis, insalubres e imorais, apropriadíssimas para se produzir a mutação de um vírus que venha a saltar para os humanos, como ocorreu, segundo pesquisa publicada na Revista Nature Medicine [10].

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Por fim, Emmanuel e outros espíritos foram a favor de uma dieta vegetariana. A questão 129 da obra O Consolador, editado em 1941, é direta:

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“A ingestão das vísceras dos animais é um erro de ENORMES CONSEQUÊNCIAS, do qual derivaram numerosos vícios da nutrição humana. É DE LASTIMAR SEMELHANTE SITUAÇÃO, mesmo porque, se o estado de materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esses valores nutritivos podem ser encontrados nos produtos de origem vegetal, SEM A NECESSIDADE ABSOLUTA DOS MATADOUROS E FRIGORÍFICOS” [11].

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Vejamos outro texto bíblico.

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  • (Lucas 4:1-4): “[…] foi levado pelo Espírito ao deserto; E quarenta dias foi tentado pelo diabo, e naqueles dias não comeu coisa alguma; e, terminados eles, teve fome. E disse-lhe o diabo: Se tu és o Filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão. E Jesus lhe respondeu, dizendo: Está escrito que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus.”

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E com uma pausa para o bom humor: percebam que até o diabo se tornou vegetariano, pois ofereceu pão a Jesus, e não peixe ou outro animal. Esta piada ajuda até mesmo a pensar na questão da “multiplicação” dos peixes, já abordada, pois se o próprio diabo oferece pão a quem tem fome, Jesus ofereceria peixe àquela multidão faminta?

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Enfim, analisando a passagem bíblica acima, e deixando de lado o seu sentido alegórico e a sua veracidade, mais uma vez Jesus exalta sua confiança e fidelidade à vontade de Deus, não cedendo às tentações. E nos ensina assim o valor do discernimento entre o bem e o mal e o uso correto do livre arbítrio.

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Segundo a crença cirstã e espírita, necessitamos do alimento material (pão) e do alimento espiritual (a palavra de Deus). Nesse particular de comer animais, a quem se tem mais servido, ao deus estômago ou o Deus Amor? 

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Na história, inventou-se uma série de conceitos antropocêntricos e especistas já superados cientificamente, apesar de ainda não socialmente. Por exemplo, que os animais são irracionais, não têm linguagem, não têm inteligência, não sofrem, não sentem, não socializam, não se importam com suas vidas, não têm alma, não evoluem e etc, como afirmou René Descartes (1596 – 1650) em sua teoria do animal-máquina:

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“Os humanos possuem alma e são capazes de pensamento e linguagem, e OS ANIMAIS SÃO MÁQUINAS, AUTÔMATOS, TAL COMO UM RELÓGIO, isto é, agem automaticamente” [12].

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Houve oposição na obra de Kardec a esse pensamento de Descartes, na questão 595 de O Livro dos Espíritos: “os animais não são simples máquinas, como supondes” [13].

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Hoje em dia, se esforçar para não ceder às tentações das publicidades intencionais que visam que se consuma de maneira irrefletida, desconsiderando os atributos dos animais, nossos irmãos, é também se alimentar da palavra de Deus.

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É preciso lembrar que com a revolução industrial a capacidade produtiva aumentou em larga escala, e toda essa monumental fabricação de produtos precisava de estímulos para serem consumidos. “Era preciso estimular as pessoas a consumirem muito além do necessário, sem nenhuma culpa ou remorso”, como frisou André Trigueiro [14].

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Surge então a sociedade de consumo estimulada pela transformação de desejos desenfreados, e a publicidade dá conta de sofisticar e despertar novos e vorazes apetites de consumo, esquecendo que “nem só de pão vive o homem”.

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Tais publicidades são de fato enganosas e no caso do consumo de animais, buscam fazer com que o consumidor não associe o produto comercializado ao animal vivo que fora abatido. Ou seja, que o bom sentimento de não causação de sofrimento aos animais não entre em contradição com a ideia de um ser morto, de modo que se consuma sem culpa ou remorso, dissociados da realidade e não ensejando a chamada “dissonância cognitiva” que muitas vezes leva o indivíduo a mudanças de comportamento que fará cessar o desconforto trazido por ideias conflitantes em sua mente.

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Portanto, necessário o discernimento, o bom uso do livre-arbítrio, a fome da palavra de Deus, que passa também por escolhas éticas na alimentação e no consumo, para não cair nas tentações que oprimem animais.

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  • Ética e Teologia da Libertação Animal.

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Neste tópico, ainda nos exercícios bíblicos, gostaria de lhes oferecer um livro paradigmático, que venho introduzindo no movimento espírita há alguns anos e me alegrado de vê-lo se espalhando.

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Se trata da obra A VIDA DOS OUTROS: Ética e Teologia da Libertação Animal. Obra escrita por dois frades capuchinhos, Luis Carlos Susin e Gilmar Zampieri, ambos teólogos e filósofos, editada pela clássica Editora Paulinas, ou seja, no seio da Igreja Católica. [15]

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Esta obra cumpre um papel quase inédito no universo religioso cristão brasileiro, papel que a ciência e filosofia fora dos muros das religiões já tem cumprido há décadas, o de expor o que ocorre dentro das jaulas de exploração animal ao redor do mundo.

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Os autores dedicam quase toda a primeira parte do livro para descrever as práticas cruéis de criação, exploração e abate de animais para diversos fins. Parafraseando o escritor J. M. Coetzee, classificam como cinco campos de concentração o que os humanos fazem com os animais, demonstrando como que a relação básica é a cruel do capitalismo, a saber, relação de propriedade, onde o animal é tido como coisa, sem dignidade própria ou valor intrínseco, quais sejam:

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  1. Animais de estimação;
  2. Entretenimento e jogo;
  3. Instrumentos na educação e pesquisa;
  4. Animal como utensílio;
  5. Animais para o prato.

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Mas, além desta descrição que só é novidade no corpo literário cristão, os autores apresentam a cereja do bolo, um trabalho paradigmático: a elaboração de uma ética e teologia da libertação animal COM BASE NO ANTIGO TESTAMENTO, NO NOVO TESTAMENTO, EM JESUS E FRANCISCO DE ASSIS!

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Ora, aquela frase de alguém nunca foi tão bem-vinda: “é preciso ser gênio para enxergar o óbvio!”

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Isto porque se a religião que prega o amor não for capaz de pregar esse mesmo amor aos animais e ecossistemas com base em seu líder (Jesus), isso então não era amor, mas algo limitado, meio bairrista, classista, ou melhor: especista, condicionado à uma espécie entre bilhões de espécies.

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Nesse caminhar, determinadas tradições religiosas só poderão entrar verdadeiramente no século 21 e ter perspectivas de futuro se realmente se comprometerem com uma proposta de amor também aos animais. Caso contrário, não encontrarão eco nas novas gerações.

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No meu caso, participante do movimento espírita, vejo com pesar o movimento perdendo o bonde da história da libertação animal, que é ao mesmo tempo libertação humana. De toda forma, sigo fazendo o que posso junto de outros poucos, confiantes de que é possível virar este jogo.

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Os autores, então, surpreendem o mundo religioso com uma proposta bem fundamentada de conversão do pensar e sentir para uma relação de comunidade de vida entre os seres humanos e os outros seres animais. Apelam para a consciência moral e religiosa!

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Fazem também uma bela síntese histórica dos precursores da ética e do direito animal, como Peter Singer e Tom Regan. Em contrapartida, demonstram as ambiguidades dos doutores da Igreja como Santo Agostinho e Tomás de Aquino, que contribuíram para a coisificação dos animais.  

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É um notável trabalho, sem igual no movimento espírita, acerca do assunto aqui tratado. Isso me leva a um questionamento. É a igreja católica se atualizando e enxergando na bíblia e em Jesus fundamentos para a libertação dos animais. Não deveria os espíritas fazerem o mesmo?

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É como questionei no início deste artigo. Estaria o movimento espírita perdendo o bonde da história, cometendo os mesmos equívocos das religiões antigas, neste particular? Será que os espíritos da literatura espírita não trouxeram argumentos suficientes para se crer num Jesus precursor de uma ética de libertação animal? Num ser que não comia animais por amor?

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Seguindo com a resenha do livro, a seguir abordarei a sua parte teológica, chamada de Princípio Cuidado, constante na parte III.

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Nesta parte os autores fazem um apanhado dos profetas em Israel que desde o século VIII a.C. denunciaram a necessidade de compaixão pelos animais, “mandando dar um basta nos sacrifícios. Ao invés de sacrifícios de sangue, os profetas proclamavam a convivência entre animais, tanto humanos como não humanos” [pag. 169].

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Os autores narram a ética da compaixão universal pregada pelos grandes profetas, o seu esforço de superação de todo sacrifício humano e de animais. E com base no sonho messiânico de Isaías 11:6-9 descrevem a fraternidade sem fronteiras entre as espécies terrenas:

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“E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos se deitarão juntos, e o leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de peito sobre a toca da áspide, e a desmamada colocará a sua mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar.”

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Destacam também Oseias 6:6 rogando que “é misericórdia que eu quero e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”, verso repetido pelo próprio Jesus em Mateus 12:7.

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Enfatizam o discurso de Jeremias 7:22 diante da porta do Templo: “Não falei a vossos pais e nada lhes prescrevi a respeito de holocaustos e sacrifícios, no dia em que os fiz sair do Egito.”

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Assim como a advertência de Miqueias 6: 6-7 “Com que me apresentarei ao Senhor, e me inclinarei diante do Deus altíssimo? Apresentar-me-ei diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros, ou de dez mil ribeiros de azeite?”

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Dentre outros profetas, como Amos, que buscaram desconstruir os rituais de sacrifícios humanos que foram substituídos por sacrifício de animais, mas “com a mesma crueldade encoberta por uma áurea de sacralidade” [pag. 181].

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Apontam, os autores, a ação de Deus, por meio da boca dos profetas, desejando outro tipo de sacrifício. Vejamos:

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“Os profetas levantam a voz contra tais práticas, mesmo que sejam substitutivas e “prementes”, em vista do que eles começam a proclamar como o “verdadeiro sacrifício”: A PRÁTICA DA JUSTIÇA, A SINCERIDADE DE CORAÇÃO, O SOCORRO AOS MAIS EXPOSTOS AO SOFRIMENTO E À VIOLÊNCIA  – ESTE É  O HOLOCAUSTO QUE AGRADA A DEUS” [pág. 189].

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Vale destacar que, apesar dos esforços dos profetas, os sacrifícios de sangue continuaram até a destruição do segundo templo, depois de Jesus. E eu destaco que ainda hoje no século 21 os sacrifícios permanecem nos hábitos de consumo, com novas roupagens e exponenciado pelo capitalismo.

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Há um padrão psicológico nos sacrifícios, refletidos ainda hoje, que merece atenção:

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cruor (dessa palavra em latim deriva a palavra crueldade) era obtido de vítimas sacralizadas através de uma morte infligida coletivamente, normalmente pisando sobre a vítima, uma espécie de linchamento ou massacre sacro, passando a ela a energia da hostilidade, transformando-a, assim, em hóstia. Dessa hóstia sacerdotal era obtido o cruor, o sangue de purificação no qual todos se banhavam. Essa tradição, de sacralização da vítima, foi realizada praticamente por todas as sociedades, visando que o sacrifício de salvação aliviasse a tensão, o alto grau de violência e penúria que abatia um povo, através de um derramamento de sangue, de um “bode expiatório” que levaria todas as impurezas, seja com sacrifícios humanos ou não-humanos.

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A vítima expiatória, entre os gregos, era chamada de phármakon, o remédio social que curaria as feridas de um povo. Hoje em dia, existe uma farmácia em cada esquina, que oferece o remédio para a “cura”, seguindo, de maneira semelhante, o padrão antigo de sacrifícios e oferecimento do sofrimento alheio para pagar os seus próprios pecados. Nessa linha de raciocínio, a crueldade é um mal necessário, o sofrimento da vítima-herói é justificado, a crueldade em si é compreendida com naturalidade e normalidade, já que gerará satisfação a determinado grupo, que se coloca no direito de oferecer o sacrifício alheio em prol do próprio benefício.

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Nesse particular, a sociedade atual segue sacrificando os animais, para cosméticos, entretenimentos, alimentação etc, com graves impactos socioambientais e especialmente, danos irreparáveis aos animais.

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Apontaram também os autores que, de acordo com a narrativa de Gênesis 1,29-30, no plano inicial de Deus não haveria a famosa cadeia alimentar de carnívoros e sobretudo o homem seria vegetariano; destacam que o homem caçador e carnívoro viria após o dilúvio, MAS NÃO EM FORMA DE EVOLUÇÃO, MAS DE DECADÊNCIA [pág. 199], pelo mau uso do livre arbítrio.

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Apontaram também um possível erro de interpretação do termo “dominai” de Gênesis 1,28, afirmando que “foram sequestrados pela arrogância antropocêntrica e despótica do homem sobre a mulher, sobre a família, sobre as outras formas de vida e tudo o que lhe está em volta.”[pág. 200].E concluem que o plano era de uma “comunidade de aliança e vida que inclui os animais”, que dominar em verdade se trata de uma missão divina de cultivar e cuidar da terra como um jardineiro, de tal forma como se fosse um paraíso, e não no sentido hierarquizado de subjugar.

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Destacam, ainda, a Encíclica Laudato Si do Papa Francisco, quando disse: “Hoje, a Igreja não diz, de forma simplista, que as outras criaturas estão totalmente subordinadas ao bem do ser humano, como se não tivessem um VALOR EM SI MESMAS e fosse possível dispor delas à nossa vontade” [16].

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Portanto, apontam que uma Teologia da Libertação Animal de caráter cristão pode e deve esperar de Cristo o critério hermenêutico mais alto e mais afiado.

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Apesar de não crerem que Jesus possa ter sido vegetariano, em virtude daqueles argumentos que contestei neste artigo, afirmam que Jesus contestou todo o sistema de pureza religiosa através de sacrifícios animais e exclusão social, atingindo em cheio o coração da religião sacrificial ao contestar o Templo de Jerusalém, que havia se tornado um covil de ladrões, e fincam aí as bases de seus argumentos.

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A perícope principal utilizada é aquela da “expulsão dos vendilhões do templo” registrada pelos quatro evangelistas. Vejamos o registro feito por João:

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  • (João 2:13-21): “Estava próxima a páscoa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas, e pombas, e os cambistas sentados. Fez um açoite de cordas, expulsou todos do templo: tanto ovelhas quanto os bois; também espalhou as moedas e virou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam as pombas: Tirai estas daqui. Não façais da casa de meu Pai casa de comércio. […] Que sinal nos mostras para fazeres isto? Em resposta, disse-lhes Jesus: Destruirei este santuário e o levantarei em três dias. Então os judeus disseram: Este santuário foi edificado em quarenta e seis anos e tu, em três dias, o levantarás? Ele, porém, dizia a respeito do santuário do seu corpo. Portanto, quando foi levantado dentre os mortos, recordaram-se os seus discípulos de que falava disto; e creram na Escritura e na palavra dita por Jesus.”

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A casa de oração se tornou casa de negociadores de animais, submetidos ao sacrifício substitutivo de humanos para pagar com sua morte os pecados alheios, seu sangue era derramado nas paredes do altar, enquanto os profetas haviam pregado o verdadeiro sacrifício: pureza da justiça e da misericórdia, não vítimas animais.

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Estava em jogo o interesse econômico da casta sacerdotal, que ganhava parte das oferendas. Tal sistema econômico lucrativo que enriquecia uns e empobrecia outros, além de assassinar os animais, foi colocado em xeque por Jesus, que escancarou a cruel base em que o sistema religioso judaico estava montado.

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Jesus liberta os animais e liberta também os seus discípulos ao fascínio do Templo. “Não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído” (Mateus 24:2).

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Com sua autoridade inclui também a libertação dos animais, como um grupo oprimido inocente no fundo da discussão sobre qual templo é verdadeiro. E sabia ele que tal contestação na linha profética o levaria ao sacrifício de si mesmo, como Cordeiro de Deus. Seu corpo seria destruído, mas se levantaria no terceiro dia.

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Portanto, encerro esta seção com a própria elucubração dos autores [pág. 240 a 245]:

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Jesus mesmo foi sacrificado, em pessoa, no lugar dos sacrifícios animais que ele desbancou com o sistema de oferendas e sacrifícios do Templo. Teria sido temerário desarranjar a ordem sacra não fosse ele mais do que um profeta, o próprio Filho de Deus com a autoridade do Pai […]. Jesus liberta do sistema sacrificial não passando por cima, mas atravessando o sistema ao meio, carregando sobre si as misérias e a violência do sistema, sem, por sua vez, praticar sacrifício, o que seria a volta da violência […]. Ele é agora, segundo João, o verdadeiro Cordeiro vindo de Deus que tira o pecado do mundo. O pecado que acabava pesando sobre bodes expiatórios inocentes é assumido por Deus.”

“[…] a sua presença, a sua atitude, a sua palavra, o testemunho de uma libertação inegável, o espalhar-se de uma luz evangelizadora cuja síntese é “libertação” para humanos – e conjuntamente, para animais. Sobre os animais não pesará mais o sacrifício que lhes rouba a inocência e os submete a sofrimentos e morte por uma religião montada como sacra mentira. O Cordeiro de Deus não liberta somente os humanos, mas todos os cordeiros e bodes inocentes, todos os animais votados ao sacrifício. Este acontecimento é a sua própria páscoa reveladora: na sua pele feita bode expiatório, culpabilizado pela impureza das paixões humanas ocultas e destinado à crucificação, emerge e se revela nele o inocente e compassivo Cordeiro de Deus, fonte de pura vida sem violência e sem sacrifício, nem na forma de vingança divina.”

“Em outras palavras: os que executaram Jesus, pretendendo cumprir a lei e a ordem, tinham a legitimação religiosa do sacrifício do bode expiatório – “que um só homem morra pelo povo” (Jo 11,50) – expulsando-o para a morte. Jesus devia morrer, assim, como bode expiatório. Mas sob o bode expiatório emerge e se revela, na verdade, o Cordeiro pascal definitivo, o libertador dado por Deus a toda criatura”

“Reconhecer Cristo sofredor e crucificado em todos os seres vivos que são submetidos a essa arbitrariedade satânica ou, na direção inversa, reconhecer nesses sofrimentos inocentes o próprio Cristo, é um exercício de conhecimento do mistério da paixão e cruz de Cristo.”

“POR QUE O EVANGELHO DEVERIA SER SOMENTE PARA HUMANOS?”

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A mensagem da cruz, inclui também os animais. Quem tem ouvidos de ouvir, ouça!

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Aos espíritas, vale ainda uma mensagem final. Com o pedido de que ao ler a última palavra “irmão”, a essa altura você possa ver nela também os animais:

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“O cristão não oferece prendas materiais, pois que ESPIRITUALIZOU O SACRIFÍCIO, mas o preceito não tem menos força para ele. Oferecendo sua alma a Deus, deve apresentá-la purificada. Ao entrar no templo do Senhor, deve deixar lá fora todo sentimento de ódio e de animosidade, todo mau pensamento contra seu irmão” [17].

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  • Fundamentos Apócrifos e de outras Tradições Cristãs.

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A ideia de que Jesus seria vegetariano, tendo-se abstido de peixe e outros animais por toda a vida é antiga, provém de evangelhos apócrifos escritos por grupos cristãos herméticos do Egito e da Ásia Menor no segundo e terceiros séculos da nossa era. Sem generalizar, estes grupos evitavam consumir animais por causa de suas crenças panteístas, isto é, criam que Deus estava em todos os seres vivos. Como mencionado no início deste artigo, muitos destes grupos foram perseguidos e condenados pela Igreja Católica, sobretudo após a sua aliança com o imperador Constantino, quando do primeiro concílio de Niceia em 325.

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Tanto naquela época quanto depois, muitas vertentes cristãs creem no vegetarianismo como caminho espiritual e que esta era a dieta original proposta por Deus, como é o caso dos Adventistas do Sétimo Dia. E é interessante notar que sua precursora Ellen White realizou seu trabalho espiritual cristão justamente no século 19, época e que Allan Kardec fundou o Espiritismo.

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Vejo muitos confrades espíritas afirmando que o espiritismo nascente não pregou o vegetarianismo pois o século 19 não estaria maduro para tanto. Rejeito peremptoriamente esta ideia por no mínimo dois motivos. Há fanatismo aí. O primeiro tendo em vista a já citada obra de Ellen White, contemporânea de Kardec, que juntamente com diversos outros movimentos de proteção animal e da natureza despontaram em vários países já no século 18.

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É um fato histórico que os séculos 18 e 19 foram marcados por uma progressiva consolidação de uma nova sensibilidade da humanidade em relação aos animais e à Natureza em contexto europeu, tendo como marco a criação de várias instituições internacionais de proteção animal, incluindo campanhas antivivisseccionistas, apelos ao vegetarianismo e elaboração de leis em combate aos mais diversos tipos de maus-tratos, assim como muitas obras publicadas defendendo explicitamente que os humanos têm deveres morais relevantes para com os animais. A obra do historiador Keith Thomas, “O Homem e o Mundo Natural – Mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800)” é uma ótima referência sobre.

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Como pesquisador e profissional do Direito Animal eu poderia citar aqui ao menos 10 autores dessa época pleiteando uma nova ética de respeito aos animais. Por exemplo, Humphry Primatt (1735 – 1776), nascido em Londres, Reino Unido, escreveu a obra “A Dissertation on the Duty of Mercy and Sin of Cruely to Brute Animals, em português: “Uma Dissertação acerca do Dever de Misericórdia e o Pecado da Crueldade contra os Animais Brutos”. Diz a filósofa Sônia T. Felipe em um de seus brilhantes artigos sobre o autor:

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“Apresento, neste artigo, as teses centrais, extraídas da argumentação de Humphry Primatt, elaborada em 1776, em The Duty of Mercy, em defesa da coerência moral humana na consideração da dor e do sofrimento de animais humanos e não humanos. Os argumentos de Primatt, críticos à filosofia moral tradicional, por seu antropocentrismo, e radicais no emprego do princípio da igualdade, contrário a todas as formas de discriminação moral, são hoje centrais à ética de Peter Singer, Tom Regan e Richard D. Ryder, e sustentam a proposta de se estabelecer um novo estatuto jurídico para os animais. Se os animais estão sujeitos à inflição de dor e sofrimento, por parte de humanos, devem ser incluídos, como sujeitos de direitos, no âmbito da proteção legal constitucional, tese defendida por Gary L. Francione e Steven M. Wise.” [18]

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O segundo motivo pelo qual discordo desta afirmativa é que o Espiritismo nascente não deixou de tratar do tema, sobretudo a partir da edição definitiva de O Livro dos Espíritos em 1860. O princípio espiritual dos animais, sua evolução, inteligência e capacidade de sentir foram abordados, bem como o seu consumo, como se pode ver nas questões 722, 734, 735, ainda que modestamente.

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Para não deixar de citar, vejamos a questão 735. No seu estado atual, o homem tem direito ilimitado de destruição sobre os animais? “Esse direito é regulado pela necessidade de prover à sua alimentação e à sua segurança; o abuso jamais foi um direito.”

Na dinâmica desigual do capitalismo, uns comem além do necessário enquanto outros sequer tem regularmente o que comer. O sistema alimentar atual, baseado na exploração-opressão animal, é um dos maiores responsáveis pela tempestade climática. No caso da da nossa necessidade nutricional, ela está disponível no mundo vegetal, sem a necessidade do massacre de animais.

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Por fim, essa afirmativa é ingênua, pois o vegetarianismo é milenar ao redor do mundo, Hinduísmo, Budismo, Jainismo, Sikhismo, Hare Krishnas, Taoísmo, Quakers, Essênios, Pitagóricos e etc sempre prescreveram o vegetarianismo por motivos éticos e/ou religiosos.

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Segundo os Adventistas do Sétimo Dia o regime original dado por Deus à humanidade é o vegetariano (Gn 1:29), que deve ser seguido sempre que possível para uma boa saúde. Além do Gênesis, destacam provérbios 23:20, bem como a história de Ofni e Finéas nos primeiros capítulos de 1 Samuel que demonstram como o consumo abusivo de animais pode despertar nas pessoas comportamentos imorais, dentre outros textos bíblicos [19].

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Ellen G. White, cujos escritos são tidos pelos adventistas como inspirados por Deus, viveu a maior parte de sua vida durante o século 19 (1827-1915). Os Adventistas creem que ela foi apontada por Deus para ser uma mensageira especial, a fim de atrair a atenção de todos para as sagradas escrituras, e ajudá-los a se prepararem para a segunda vinda de Cristo. [20]

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Ela encorajou uma dieta rica em alimentos vegetais “preparados da maneira mais simples e natural possível” como a mais saudável e nutritiva. Essa dieta iria “transmitir uma força, um poder de resistência e um vigor de intelecto, que não são proporcionados por uma dieta complexa e estimulante” [21].

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Por mais de 150 anos, os adventistas defenderam uma dieta vegetariana para uma boa saúde. Sua Associação dos Médicos Adventistas já declarou no século 21 sua posição oficial sobre o tema do vegetarianismo, com base em documentos do Conselho de Nutrição da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Para eles, “evidências científicas acumuladas ao longo do último meio século mostraram conclusivamente que uma dieta vegetariana bem balanceada não somente é nutricionalmente adequada, mas também transmite benefícios para a saúde. Muitas doenças crônicas (como a doença cardíaca, derrame cerebral, câncer, diabetes tipo 2 e obesidade) podem ser prevenidas ou tratadas ao se seguir uma dieta vegetariana. Dietas vegetarianas bem planejadas têm se mostrado apropriadas para indivíduos durante todas as fases do ciclo de vida, incluindo gravidez, lactação, infância, e adolescência, bem como apoia o desempenho atlético superior” [21].

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Como se pode observar, os Adventistas orientam a alimentação de seus adeptos com base em preceitos religiosos e científicos, através de suas associações de médicos e nutricionistas. Diferentemente do que ocorre no movimento espírita, onde as associações médico espíritas, até onde sei, não divulgam qualquer orientação nutricional vegetariana, pelo contrário, sequer há palestras de médicos espíritas falando sobre a importância do vegetarianismo (ao menos desconheço) e nem a Federação Espírita Brasileira oferece alguma cartilha sobre nutrição vegetariana.  

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  • O Evangelho dos Doze Santos.

Outra fonte, é a obra O Evangelho dos Doze Santos, publicada primeiramente no final do século 19 por G. J. R. Ouseley (1835–1906) em forma de folhetim no jornal The Lindsey & Lincolnshire Star [22].

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Esta obra, com diversas edições, cercada de mistérios, apresenta um Jesus vegetariano. Na sua apresentação, é narrado que nos últimos séculos, muitos fragmentos do evangelho, denominados logions, foram descobertos em velhas bibliotecas e em escavações arqueológicas. E que nesse evangelho se encontram os ensinamentos de Cristo referentes ao amor universal, ao vegetarianismo e ao amor pelos animais, bem como os seus sacrifícios são nele explicitamente repudiados. O texto rejeita os escritos do Velho Testamento em que o sacrifício de animais e até mesmo de primogênitos era visto como natural.

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Ouseley afirma: “Os primeiros Pais da Igreja cristã destruíram as fontes e informações dos evangelhos, retirando-os da Bíblia, mas nem tudo conseguiram destruir. Mediante investigação meticulosa, cada vez mais coisas são descobertas, e é assombroso de ver como o mundo foi enganado por eles” [22].

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Narra que “esses ‘corretores’ retiraram dos evangelhos certos ensinamentos de Jesus relativos à alimentação carnívora e ao álcool, instruções quanto ao trato amoroso com os animais e até mesmo ensinamentos interessantes que, com frequência, aparecem nos escritos sagrados do Oriente, pois não desejavam segui-los. Os corretores foram assalariados pelos Pais da Igreja durante o Primeiro Concílio de Niceia (325 d.C.) para, entre outras coisas, adequar os textos dos evangelhos de modo tal que o imperador Constantino abandonasse sua resistência ao cristianismo. Constantino era muito afeito às carnes e ao vinho em seus banquetes noturnos, durante os quais alimentos cárneos eram copiosamente servidos e o vinho fluía em abundância. Os 318 bispos ali presentes e seus partidários participaram disso totalmente convictos do que faziam” [22]

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Para Ouseley, nos evangelhos originais foi feito com certa insistência a recomendação de não se fazer uso de carne e vinho, porém, em publicações posteriores isso foi retirado pelos interesses dos bispos, do imperador e sua comitiva, passando-se até mesmo a interpretar o mandamento “não matarás” como não aplicável aos animais. Sua morte, portanto, não representaria nenhum assassínio. Para ele, Cristo era tanto salvador da humanidade quanto do mundo animal, e Jesus teria se empenhado em aliviar o sofrimento de todos os seres vivos.

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Sobre o mandamento não matarás e os animais, já informei em vários textos e palestras um entendimento espírita, com base em Jesus. Retomarei este tema no final deste artigo quando apresentarei a ideia de Jesus como fundamento para a libertação animal (e humana).

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Por fim, diz Ouseley:

“O oniabarcante amor do Salvador não é apenas pela humanidade, mas também pelas assim chamadas criaturas inferiores de Deus. Elas compartilham conosco o mesmo alento de vida e seguem conosco o mesmo caminho para o que é mais elevado. […] Como, pois, poderíamos duvidar da compaixão do Salvador pelas criaturas que, em silêncio, devem suportar dor? Não seria um contrassenso caso ele contemplasse sem compaixão os maus tratos aos animais indefesos? Se o homem tivesse aberto o coração à mensagem de amor quando ele trouxe a salvação ao mundo que estava mergulhado na obstinação, no egocentrismo e na miséria, anunciando a mensagem do amor oniabarcante a toda criatura, então não se mostraria duro e sem compaixão com outras criaturas de Deus que, assim como ele, foram chamadas à vida e são passíveis de experimentar alegrias e sofrimentos. Os que têm o Salvador como modelo professam amor e compaixão por todas as criaturas. […] A quantos terríveis tormentos não se encontram expostas essas criaturas em nome de uma pretensa ciência, para a satisfação de nossas necessidades naturais, ou então por vaidade!” [22]

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Estes temas pulularam no século dezenove, aos quais muitos escritores, como Ouseley, tentavam dar uma resposta.

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  • O Vegetarianismo Cristão Contemporâneo.

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O vegetarianismo cristão é a prática de manter um estilo de vida vegetariano por razões ligadas ou derivadas da fé cristã. As três razões principais são espirituais, nutricionais e éticas. As razões éticas podem incluir uma preocupação com a criação de Deus ou uma preocupação com o bem-estar animal (ou ambos). Da mesma forma, o veganismo cristão é a abstenção do uso de todos os produtos de origem animal por razões ligadas ou derivadas da fé cristã. [23]

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Algumas ordens religiosas de várias igrejas cristãs praticam estritamente o vegetarianismo cristão, incluindo franciscanos, trapistas, cartuxos e cistercienses. Vários líderes da Igreja recomendaram o vegetarianismo, incluindo John Wesley (fundador da Igreja Metodista), William e Catherine Booth (fundadores do Exército de Salvação), William Cowherd da Bíblia Christian Church e Ellen G. White da Adventistas do Sétimo Dia, já citada. Cowherd, que fundou a Igreja Cristã da Bíblia em 1809, ajudou a estabelecer a primeira Sociedade Vegetariana do mundo em 1847. [23]

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Organizações como a Christian Vegetarian Association (CVA) trabalham ativamente para promover o conceito. A CVA é uma organização vegetariana cristã internacional e não-denominacional que promove a administração responsável da criação de Deus através da alimentação baseada em plantas. A CVA produziu o filme de 2006, Honrando a Criação de Deus.

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Outra organização é a Sarx, britânica, que visa “capacitar os cristãos a defender a causa dos animais e viver pacificamente com todas as criaturas de Deus”. A Sarx publica entrevistas com veganos e vegetarianos cristãos em seu site e estimula as pessoas a falarem em igrejas no Reino Unido sobre tópicos como cristianismo e veganismo, bem-estar e fé animal, criação e animais.

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CreatureKind é uma organização que existe “para incentivar os cristãos a reconhecer razões baseadas na fé para se preocupar com o bem-estar de outras criaturas animais usadas para alimentação e para tomar ações práticas em resposta”. Foi fundada por David Clough, professor de ética teológica da Universidade de Chester, e é dirigido por Clough e Sarah Withrow King, uma autora americana e diretora adjunta do Sider Center na Eastern University. O CreatureKind produz um curso para as igrejas, o que facilita que os grupos pensem sobre como os cristãos devem enxergar e tratar os animais.

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Catholic Concern for Animals (CCA) é uma instituição de caridade que exorta os católicos a “cuidar de toda a criação [de Deus]”. A CCA promove há muitos anos uma dieta vegetariana/vegana como uma maneira de cuidar da criação, em particular dos animais.

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grupo Evangélicos pela Ação Social sugeriu que uma dieta vegana é uma maneira de demonstrar amor e compaixão cristãos por animais de criação e argumenta em particular que é assim que uma ética consistentemente pró-vida se parece.

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Christian Vegetarians and Vegans UK é uma organização que busca promover um estilo de vida vegetariano/vegano na Igreja no Reino Unido.

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Por fim, Andrew Linzey (nascido em 2 de fevereiro de 1952) é um sacerdote anglicano inglês, teólogo e uma figura proeminente no vegetarianismo cristão ou The Christian Vegetarian Movement. Ele é membro da Faculdade de Teologia da Universidade de Oxford e ocupou o primeiro posto acadêmico do mundo em Ética, Teologia e Bem-Estar Animal.

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Linzey é o fundador e diretor do Centro Oxford de Ética Animal, um centro acadêmico independente aberto em novembro de 2006 para promover o estudo e a discussão sobre ética animal. Ele é autor de vários livros sobre direitos dos animais, incluindo Direitos dos Animais: uma perspectiva cristã (1976), Cristianismo e os direitos dos animais (1987), Teologia animal (1994) e por que o sofrimento dos animais é importante: Filosofia, Teologia e Ética Prática (2009) [23].

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Isso tudo para demonstrar como que a tese de um Jesus comedor de animais cada vez mais cede espaço para um Jesus libertador dos animais, sobretudo a partir do século 18. As demais tradições cristãs, como o Espiritismo, não deveriam perder o bonde da história.

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  • Fundamentos Espiritualistas

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O título desta seção tem apenas um único objetivo, o de ser abrangente, usando o gênero espiritualista para abranger autores que tratam da doutrina espiritualista, e não de suscitar qualquer discriminação a quem quer que seja, como por exemplo Ramatis e Roustaing. A aprovação/desaprovação destas duas obras não estão em xeque neste artigo.

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Igualmente com esta classificação não desejo fazer coro à divisão que comumente se faz no movimento espírita entre “obras espíritas” e “obras espiritualistas”, nem opinar sobre ela. O intuito desta seção é bem outro: demonstrar os variados caminhos de compreensão da alimentação e relação de Jesus com os animais, para ao final oferecer um posicionamento sobre esta relação.

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Resumidamente, Ramatís é um mestre espiritual que psicografou dezenas de obras pelo médium Hercílio Maes, dentre outros médiuns, desde 1955. Diz-se que em vidas passadas foi o grande matemático e filósofo Pitágoras (570 – 496 a.C), bem como Filon de Alexandria (30 a.C – 40 d.C), período em que desfrutou da companhia de Jesus. No mundo espiritual, desempenha diz-se que desempenha papel de divulgar os ensinamentos de Jesus e a antiga tradição espiritualista do Oriente. [24]

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Sua obra apresenta enfaticamente a necessidade da transição de hábitos alimentares para o vegetarianismo, por diversas razões, mediunidade, temperamento, moral, sofrimento animal, dentre outros. Ramatís também não deixou de falar da alimentação de Jesus e sua relação com os animais, foco deste artigo.

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Narra que nos dias de Sua infância:

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“Em dias de matança, Jesus espantava os animais para longe, numa tentativa de evitar-lhes a morte. Ninguém podia matar qualquer animal em sua presença; fato que o deixava febril e o fazia fugir do local. Curtiu noites de insônia, depois que viu, estarrecido, bois tombarem feridos mortalmente pelas lanças dos magarefes” [25]

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Quanto a Sua alimentação, destacou:

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“Jesus, a fim de não reduzir o seu contato com o Alto, ante o assedio tenaz e vigoroso das forças das trevas, mantinha sua mente límpida e governava com absoluta segurança graças aos longos jejuns, em que elimina todos os resíduos astrais, perturbadores dos veículos intermediários entre o plano físico e espiritual. […] Evitava sempre a alimentação descuidada e, quando sentia pesar em sua organização as emanações do astral inferior, diminuía a resistência material ao seu espírito praticando o jejum, que lhe favorecia maior libertação para o seu mundo celestial.” [26]

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“Nunca vimos Jesus partindo nacos de carne ou oferecendo pernis de porco aos seus discípulos; Ele se servia de bolos feitos de mel, de fubá e de milho, combinados aos sucos ou caldos de cereja, morango e ameixas” [26].

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“As figuras santificadas dos líderes espirituais do vosso mundo, tais como Buda, Gandhi, Maharshi, Francisco de Assis e outros, entre os quais se destaca a sublime figura de Jesus, deixaram-vos o exemplo de uma vida distante dos banquetes carnívoros ou dos “colchões-mole” assados no braseiro das churrascarias tétricas. É um senso comum que os povos mais belicosos e instintivos são exatamente os maiores devoradores de carne, assim como as figuras brutais, obesas e antipáticas, dos antigos césares romanos, ferem a vossa retina espiritual pelo mesmo motivo apontado [26].

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Por fim, destaco uma advertência de Ramatís, quando enfatizou que o consumo de animais é um desvio psíquico e que a humanidade já ultrapassou os prazos para a mudança deste hábito:

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“Reconhecemos que, através dos milênios já vividos para a formação de vossas consciências individuais, fostes estigmatizados com o vitalismo etérico da nutrição carnívora; mas importa reconhecerdes que já ultrapassais os prazos espirituais demarcados para a continuidade suportável dessa alimentação mórbida e cruel” [26].

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Na técnica evolutiva sideral, o estado psicofísico do homem atual exige urgente aprimoramento no gênero de alimentação. O vosso sistema de nutrição é um desvio psíquico, uma perversão do gosto e do olfato; aproximai-vos, consideravelmente, do bruto. O Comando Sideral está empregando todos os esforços a fim de que o terrícola se afaste, pouco a pouco, da repugnante preferência zoofágica”. [26].

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A obra “Os Quatro Evangelhos” organizada por Jean-Baptiste Roustaing, apresenta também argumentos sobre a alimentação de Jesus. Segundo esta obra, a organização física de Jesus estava num ponto intermediário entre a nossa materialidade terrestre e a nossa materialidade nos mundos superiores [27]:

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“Seu corpo perispirítico era mais material do que o corpo perispirítico do Espírito superior, nenhuma comparação podendo, entretanto, ser estabelecida a esse respeito. Maior ainda era a diferença entre esse corpo de Jesus e os vossos corpos de lama. Aquele participava em grande escala do corpo do homem nos mundos superiores, por isso que se compunha dos mesmos elementos, mas modificado, solidificado por meio dos fluidos humanos ou animalizados, de modo a manter-se, segundo a vontade do Mestre e as necessidades da sua missão terrena, visível e tangível para os homens, com todas as humanas aparências corporais do vosso planeta.” (“Os Quatro Evangelhos”, Tomo I, item 14) [28].

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Segundo essa concepção, era de se esperar que a alimentação e necessidades físicas de Jesus fossem diferentes. Mas, antes de apresentar o entendimento desta obra sobre este ponto, vejamos um pouco mais sobre o que diz da sua organização física:

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“Já vos dissemos (n. 14) e chegou o momento de o explicarmos: Por sua natureza, o corpo que Jesus revestiu não foi mais do que um espécime, prematuro entre vós, do organismo humano tal qual virá a ser, daqui a muitos séculos, em alguns pontos do vosso planeta, para a encarnação de Espíritos que terão atingido, nessa época, um certo grau de elevação. Que a verdadeira ciência, isto é, aquela que não tem o preconceito da imobilidade, observe o passado e o que hoje é futuro, à medida que o tempo for correndo, e descobrirá os precursores materiais dessas organizações que, neste momento, ainda parecem impossíveis.” (QE, Tomo 1. Item 64) [28].

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Portanto, em se tratando de um corpo mais evoluído, futuro da espécie humana, essa organização fluídica não tinha as necessidades físicas terrenas, nem quanto à alimentação, nem quanto ao sono, embora, quando o quisesse, pudesse simular o ato de alimentar-se ou mesmo de dormir, conforme consta nos episódios do Calvário (Lc.24:36-48), e da tempestade (Mt.8:23-27, Mc.4:35-41; Lc.8:22-25) [27]. Vejamos alguns trechos:

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“Ele não estava sujeito a nenhuma das necessidades da existência material humana. Só na aparência, exteriormente, para exemplo, as experimentava” (“Os Quatro Evangelhos”, Tomo I, item 14) [28].

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“Nele (já o dissemos) o corpo, dada a sua natureza perispirítica sob a aparente corporeidade humana, era inacessível a toda e qualquer alimentação material em uso entre vós”. (“Os Quatro Evangelhos”, Tomo I, item 47) [28].

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“A alimentação material não é, pois, necessária, nem possível, senão ao homem revestido de um corpo material, nos mundos materiais. Quando o Espírito encarna, ou, melhor, incorpora fluidicamente em mundos superiores, onde o corpo é de natureza perispirítica, a vida e a nutrição se mantêm pela absorção dos fluidos ambientes apropriados”. (“Os Quatro Evangelhos”, Tomo I, item 64) [28].

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“Jesus, vós o sabeis, não estava sujeito ao sono, nem a nenhuma outra necessidade da existência humana”. (“Os Quatro Evangelhos”, Tomo II, item 108) [28].

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Ou seja, não haveria necessidade do consumo de alimentos, e em razão da sua ética de não-violência, não se alimentaria de animais, a não ser, com algum propósito pedagógico, e não como endosso ou prescrição do consumo de animais.

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  • Alimentação e Evolução Espiritual – Edson Ramos de Siqueira

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O professor de etologia Edson Ramos, expositor e escritor espírita, escreveu uma obra sobre espiritismo e vegetarianismo. O autor fez um apanhado do vegetarianismo pelo mundo, dentre outras questões, e abordou também a alimentação de Jesus e sua relação com os animais. Vejamos:

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“E, quanto a Jesus Cristo; teria sido Ele um consumidor de carnes?

Grande parte da humanidade tem certeza que sim. Cabe nos entretanto, um profundo exercício mental que, certamente, levará à conclusão lógica. Lembremos algumas máximas de Jesus: – “Amai o próximo como a si mesmo”. Com esta frase Ele não quis dizer que apenas os humanos são nossos próximos, como pensa a grande maioria; mas todos os seres vivos. Logo, osacrifício de qualquer animal seria incompatível com o pensamento e ação de Espíritos de elevado padrão evolutivo. – “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. É fácil inferir dessa frase que, se Ele ama todos os seres com a mesma intensidade, e nos pede para amarmos uns aos outros, devemos, antes de mais nada, respeitar a vida. Ninguém tem o direito de tirar a vida de alguém, independentemente da espécie animal. – “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”. Dar a vida pelos amigos é um ato de amor; tirar a vida é um ato de violência. – “Então Jesus disse: segue teu caminho e não maltrate os animais, para que tu, por tua vez, encontre um dia a misericórdia”. O grau máximo da escala de maltrato aos animais é quando são mortos pelo homem.

As palavras Divinas não devem ser interpretadas parcialmente; portanto, essas quatro máximas permitem concluir, com segurança, que Jesus jamais ingeriria um alimento típico de espíritos de incipiente grau evolutivo como nós, meros habitantes de um planeta de provas e expiações, onde o desconhecimento da verdade sobre a eterna vida do espírito é ainda uma constante, mesmo no meio dos intelectualmente privilegiados.”

Imaginar que Jesus tivesse sido onívoro enquanto encarnado, seria rebaixá-Lo ao nível dos espíritos infantis sob o ângulo evolutivo, taxando-o de violento e hipócrita. Representaria um desrespeito, uma afronta de impressionante magnitude ao iluminado Mestre. Já temos um grau de inteligência suficiente para que sejamos coerentes na análise e interpretação dos escritos ao longo dos milênios. Não persistamos em erros oriundos de crenças infundadas e das imposições dogmáticas seculares [29].

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Enfim, caminhemos para a conclusão deste ensaio a favor de uma ética inclusiva aos animais.

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  • Jesus à luz do Espiritismo

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As consequências mundiais da defesa de um Jesus consumidor de animais são graves, uma vez que estamos falando do ser mais conhecido e que mais influenciou a história! Crise ambiental sem precedentes, pandemias, hecatombes de animais confinados e mortos aos trilhões anualmente…

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O cristianismo hegemônico tem dado a Jesus o título de maior especista e antropocêntrico da Terra, e fazer um resgate de vertentes não-hegemônicas, pode revelar um Jeuss diferente, amigo dos animais.

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Há uma dívida histórica neste particular, que pode ser paga pelo ensino de uma Ética de Libertação Animal fundamentada em Jesus, como algumas vertentes já têm realizado, como vimos.

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Qualquer tradição cristã, que ignorar essa realidade, perderá o bonde da história neste particular.

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Urge, portanto, sustentar a ideia de um Jesus à luz do Espiritismo, para que se desenvolva no movimento espírita um programa prático de ética animal.

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  • JESUS E A ÉTICA DA LIBERTAÇÃO ANIMAL: humana e não humana.

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Um clarão fulgurante varou as trevas terrenais. Era uma luz balsâmica, diferente, que fez raiar um novo dia, ainda que sendo noite nas consciências humanas.

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O encontro marcado mais esperado da Terra, que soava como um sonho no coração de todas as criaturas, havia finalmente chegado.

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Na manjedoura, já toda a lição. Ele, a humanidade (encarnada e desencarnada) e os animais, unidos.

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Disse o anjo à mãe: “Alegra-te, agraciada, o Senhor está contigo” [Lucas 1,28].

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E ao povo: “Não tenhais medo! Eis que vos trago boas-novas de grande alegria” [Lucas 2:10].

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Foi naquela manjedoura simples que raiou a Luz do Mundo. E ali, como disse Emmanuel, que “O Senhor encontrou junto dos animais o seu primeiro lar, na insegurança da estrebaria” [30].

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Eles, os irmãos menores, o receberam. “– Não fossem os anfitriões da estrebaria e talvez a Boa Nova tivesse seu aparecimento retardado” [31].

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O natalício do Mestre já ditava o caminho de todo o Seu divino apostolado. A Boa Nova era para todas as criaturas, indistintamente.

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Porém, muito antes, Ele mesmo havia forjado os alicerces terrenais. Desde o princípio, nunca estivemos órfãos.

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Pois é sob a direção de uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo que se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Dessa Comunidade, participa Jesus [32].

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À maneira de um Divino Escultor, com Suas mãos augustas e compassivas, Jesus “operou a escultura geológica do orbe terreno, talhando a escola abençoada e grandiosa, na qual o seu coração haveria de expandir-se em amor, claridade e justiça” [32].

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Tanto zelo e pureza, antes de nós. Já desde há bilhões de eras.

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Junto dos seus ministros do amor estatuiu os regulamentos dos fenômenos físicos da Terra e organizou o cenário da vida, “criando, sob as vistas de Deus, o indispensável à existência dos seres do porvir” [32]. Todos eles, humanos e não-humanos.

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Ele foi o verbo na criação terrestre. “A ciência do mundo não lhe viu as mãos augustas e sábias na intimidade das energias que vitalizam o organismo do Globo. Substituíram-lhe a providência com a palavra “natureza”, […] mas o seu amor foi o Verbo da criação do princípio, como é e será a coroa gloriosa dos seres terrestres na imortalidade sem fim [32].

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Desse modo, a vinda do Cristo ao mundo corporal, há dois milênios, reflete o Seu amor a todos os seres.

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Sua condição de Co-criador da Terra, há bilhões de anos, dá o indispensável à existência de toda a Natureza e os seres que a compõem.

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Sua Governança Espiritual é o maior presente já recebido de Deus, o maior exemplo a ser seguido.

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Um Messias, como Jesus, já ultrapassou há incomensuráveis evos o nível evolutivo da fase de humanidade, chegando ao mais alto grau da hierarquia celeste [33].

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Seu amor não encontra definição no vocabulário humano, muito menos pode ser limitado a determinada espécie, gênero, etnia, religião, nacionalidade…

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Angélico, Um com o Pai, revelou em si mesmo que “A lei é conjunto eterno de deveres fraternais: Os anjos cuidam dos homens, os homens dos animais”, como já disse Casimiro Cunha [34].

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Como é possível, então, como se tem feito, circunscrever o Seu amor somente à humanidade? Ostentar um Jesus endossador da coisificação dos animais?

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Divulgar um Jesus especista e antropocêntrico é um dos maiores equívocos que se tem feito, com enormes consequências a todos os seres da Terra!

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À luz do Espiritismo e da boa ciência não se pode conceber que o Cancioneiro das Bem-aventuranças limitaria sua Doutrina Celeste somente à espécie humana.

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Desde cedo, demonstrava sua Grandeza, como disse Emmanuel: “Decerto, mostrava o Senhor, desde cedo, acendrado amor pelas criaturas. Na intimidade do lar, em Nazaré, muita vez teria conduzido ao carinho maternal esse ou aquele faminto da estrada ou um ou outro animal doente…” [35].

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Sua mãe terrena e mãe de todos, a Rainha dos Anjos, junto da cruz recordava que “desde os mais tenros anos, quando o conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas.” [36].

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Fora toda uma vida sem mácula. Não poderia ter agido com as vicissitudes de um homem comum, só para se fazer igual, pois não o era. Sua lição era nova, pois vivida, uma Boa Nova.

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Essa constatação, apesar de óbvia, deveria implicar em profundas mudanças na maneira como nós cristãos espíritas nos relacionamos com as demais espécies e ecossistemas, desde a alimentação, vestuário, entretenimento, etc, sobretudo nos espaços espíritas, que falam pela Doutrina.

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Pois se temos Jesus como Modelo e Guia [37], como não nos esforçarmos para respeitar e cuidar dos animais e da Natureza, violando os sagrados “deveres fraternais”?

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Tão por isso nos rogou Emmanuel: “Recorda os elos sagrados que nos ligam uns aos outros na estrada evolutiva e colabora na extinção da crueldade com que até hoje pautamos as relações com os nossos irmãos menores” [38].

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Sublimar os hábitos crueis aos animais e ecossistemas não se trata de um simples ato de caridade, e, sim, de um “dever sagrado” do verdadeiro cristão, de justiça, amor e caridade, com base no Sublime Ecólogo.

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Afinal, já havia dito Allan Kardec: “reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más [39].

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Reforçar a cultura da carne nos espaços espíritas, relegando esta má inclinação ao campo das coisas secundárias e desimportantes, como se não fosse de interesse evangélico, é renegar a própria finalidade de Jesus através da Doutrina Espírita.

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Ao menos, se não tanto pelos animais e ecossistemas, pela saúde dos homens, mulheres, crianças. Advertiu Emmanuel: O estado precário da saúde dos homens, nos dias que passam, tem o seu ascendente na longa série de abusos individuais e coletivos das criaturas, desviadas da lei sábia e justa da Natureza. A civilização, na sua sede de bem-estar, parece haver homologado todos os vícios da alimentação [40].

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Precisamos superar o modelo antropocêntrico e especista que tanto nos dessensibilizou dos valores divinos dos animais e da Natureza, refletindo Jesus.

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Como imaginá-Lo ceifando a vida de animais? O amor se alimentando e endossando a violência?

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Ele que declamou o programa redentor das bem-aventuranças: bem-aventurados os misericordiosos, os que têm fome e sede de justiça, os mansos, os pacificadores… [Mateus 5: 1-12].

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Já havia dito Neio Lucio, “a ordem de matar [os animais] não vinha de Jesus, que preferira a morte no madeiro a ter de justiçar.” [41]

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O Cordeiro de Deus foi justo com os animais, NÃO os justiçou.

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Afinal, que tipo de justiça aprisiona um ser inocente, contra a sua vontade, tira-lhe o direito de convívio com os seus, explora e encurta substancialmente o tempo de sua vida, condenando-o apenas por ter nascido em uma outra espécie, a fim de que alguém se deleite por alguns minutos numa refeição ou entretenimento?

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A Lei de Justiça, Amor e Caridade encontra Nele próprio o seu esplendor.

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Aliás, essa Lei Moral que resume todas as outras é também para os animais. Como poderia ser diferente se provém Dele mesmo? “Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus”[42].

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Quanto aos humanos que pregam o amor e abatem os seus irmãos menores, advertiu Neio Lúcio no conto do peru pregador: “acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores” [41].

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Até mesmo sobre o mandamento “não matarás”, já conversado, o próprio Mestre ensinou: “Reza a lei do passado: – Não matarás; eu, porém, vos digo que não se deve matar em circunstância alguma e que se faz indispensável a vigilância sobre os nossos impulsos de oprimir os seres inferiores da Natureza, porque, um dia, responderemos à Justiça do Criador Supremo pelas vidas que consumimos” [43].

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Sobre a Sua própria lição evangélica, rogou: “Ajuda-me a velar pelos homens, pela vida, pela natureza…Auxilia comigo ao ignorante e ao doente, ao velho e à criancinha, ao animal e à erva tenra. A qualquer criatura ou a qualquer coisa que ofereças o bem É A MIM MESMO QUE O FAZES…” [44].

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Cada choro de uma mamãe animal, por ver o seu filhote arrancado de seu seio, é a Ele que o fazes.

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Cada debater de um peixe, em busca de oxigênio, é a Ele que o fazes.

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Cada árvore queimada, para virar dinheiro, é a Ele que o fazes.

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É a Ele que temos feito…

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Que indiferença foi capaz de dizer que Aquele que criou o mundo se interessa menos por estas vidas?

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“Que está escrito na lei? Como lês?”, indaga Jesus outra vez, agora aos doutores do mundo.

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Se o Teu Evangelho de amor não for suficiente para converter o ouvir, olhar, sentir e pensar um animal como um irmão menor, o que será?

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Nem o acréscimo da Codificação e das centenas de Obras Subsidiárias bastaram para se compreender Jesus como o maior argumento vivo a favor de uma ética divina de libertação animal?

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Que mais precisamos, depois Dele?

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Urge um olhar a partir da vítima. Colocar-nos no lugar do outro. Empatizar. “Portanto, tudo o que vós quereis que vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas”[Mateus 7:12].

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Como Governador da Terra, disse Ele pra que veio: “vim para que TODOS tenham VIDA, e a tenham em ABUNDÂNCIA.” [João 10:10].

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Estamos permitindo vida em abundância aos animais e ecossistemas?

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Assim, “todo aquele que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem sábio, que construiu a sua casa sobre a rocha” [Mateus 7:24].

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Até quando ofereceremos o Consolador Prometido apenas aos seres humanos?

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Até quando vamos fechar o reino dos céus aos animais?

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Às crianças que precisam aprender desde tenra idade a amar os animais?

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Às mulheres e homens que querem falar do Consolador aos animais?

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“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que fechais o reino dos céus, diante dos homens; pois vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando” [Mateus 23:13].

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Não que o movimento espírita prescreva sofrimento aos animais. Mas à medida que não prega o bem a eles, desde a alimentação, muito mal os faz, e contraria sua base e referencial fundamental.

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642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal? “Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de NÃO HAVER PRATICADO O BEM.”

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932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons? “Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.

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Tanto mal se faz por não se ensinar uma ética animal espírita desde a evangelização infanto-juvenil. Enquanto lá fora os animais e a natureza clamam pavorosamente a Jesus o despertar da humanidade.

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Os gritos lancinantes de um porco, por exemplo, ecoam dolorosamente na Terra inteira! Enquanto o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas [João 10:11].

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Enfim…

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Tudo isso para dizer que o movimento espírita tem imensa vocação doutrinária para ser um movimento de vanguarda na prescrição e vivência do amor a todos os seres, decorrente de sua própria literatura clássica e de sua própria Fonte Viva, Jesus Cristo.

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Aliado à sua localização temporal histórica num tempo demarcado pelo Alto para uma crescente sensibilidade de proteção da Natureza. Estava na agenda do Cristo.

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Por isso temos dito sobre o conceito de Ética Animal Espírita, que é “a conduta moral que inclui no esforço de vivenciar a lei de Deus não somente o bem dos seres humanos, mas também dos não humanos e de toda a Natureza. Via de consequência, implica, em um esforço gradativo e coletivo de mudança de hábitos pessoais e nos espaços espíritas, por meio da adoção da alimentação vegetariana estrita, do consumo de produtos ecológicos, do oferecimento de tratamento aos animais e do ensino da ética animal desde as atividades infantis” [45].

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Precisamos de um programa capaz de demonstrar na prática que JESUS É, EM VERDADE, O ARGUMENTO A FAVOR DE UMA ÉTICA DE LIBERTAÇÃO ANIMAL.

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Por meio dele, primeiramente, os adeptos e simpatizantes do Espiritismo poderiam desenvolver a consideração ético-moral aos animais e a Natureza. E não, como tem sido, através dele, aprenderem o contrário.

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Que por Ele e com Ele percebamos a necessidade urgente de abolir hábitos nocivos aos animais e à Natureza, superando a triste contradição inventada que ofuscou o óbvio e confundiu as nossas noções de justiça, amor e caridade.

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Compreendo que “todas as coisas humanas passarão, todas as coisas humanas se modificarão. Ele, porém, é a Luz de TODAS as vidas terrestres, inacessível ao tempo e à destruição.” [32]

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Assim, com respeito e convicção te ofereço esta singela tese, de que

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O AMOR NÃO SE ALIMENTOU E PRESCREVEU A VIOLÊNCIA!

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Referências:

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[1] FRANCO, D. P.; JOANNA DE ÂNGELIS (Espírito). Encontro com a Paz e a Saúde. 5 ed. Salvador: LEAL, 2016. 232 p. Capítulo 10 “Em busca da iluminação interior”, item “Processo de autoiluminação”, pp. 198-201.

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[2]https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/888/a-genese-os-milagres-e-as-predicoes-segundo-o-espiritismo/4176/os-milagres/capitulo-xv-os-milagres-do-evangelho/aparicao-de-jesus-apos-sua-morte/61

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[3] http://www.mimiveg.com.br/peixes-sentem-emocao-e-dor/

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[4] FOER, JONATHAN SAFRAN. Comer animais. 2011.

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[5] FONTES FRANCISCANAS. São Paulo: Editora Mensageiro de Santo Antônio, 2005. Todas as citações sobre Francisco de Assis foram tiradas deste livro.

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[6] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/888/a-genese-os-milagres-e-as-predicoes-segundo-o-espiritismo/4090/os-milagres/capitulo-xv-os-milagres-do-evangelho/multiplicacao-dos-paes

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[7] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/888/a-genese-os-milagres-e-as-predicoes-segundo-o-espiritismo/3660/a-genese/capitulo-iii-o-bem-e-o-mal/destruicao-dos-seres-vivos-uns-pelos-outros/24

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[8] TRIGUEIRO, A. Espiritismo e Ecologia. 3ª ed. 2 imp. Brasília: FEB, 2013. Capítulo “Sinais de Alerta”. pp. 15-16.

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[9] https://nacoesunidas.org/cerca-de-70-de-novas-doencas-que-infectam-seres-humanos-tem-origem-animal-alerta-onu/?fbclid=IwAR1LNfBQLXwbqmdLJMPNwuI8Sr8CVX1Z8EEiJpPyYIJCjA02J_HAUZzgkn0

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[10] Andersen et al. 2020. Andersen, K.G., Rambaut, A., Lipkin, W.I. et al. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nat Med (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-0820-9 https://www.nature.com/articles/s41591-020-0820-9

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[11] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). O Consolador. 29 ed. 5 imp. Brasília: FEB, 2017. 305 p. Capítulo 2 “Filosofia”, item 2.1. “Vida”, subitem 2.1.1. “Aprendizado”, questão 129, pp. 90-91.

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[12] SUSIN, L. C.; ZAMPIERI, G. A vida dos outros: ética e teologia da libertação animal. São Paulo: Paulinas, 2015.

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[13] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/1068/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-xi-dos-tres-reinos/os-animais-e-o-homem/595

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[14] TRIGUEIRO, A. Espiritismo e Ecologia. 3ª ed. 2 imp. Brasília: FEB, 2013. Capítulo “Consumo Consciente”. pp. 63.

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[15] SUSIN, L. C.; ZAMPIERI, G. A vida dos outros: ética e teologia da libertação animal. São Paulo: Paulinas, 2015.

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[16] http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html

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[17] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/887/o-evangelho-segundo-o-espiritismo/2349/capitulo-x-bem-aventurados-os-que-sao-misericordiosos/o-sacrificio-mais-agradavel-a-deus/8

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[18] https://portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/10249/0

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[19] http://www.centrowhite.org.br/perguntas/perguntas-e-respostas-biblicas/jesus-comeu-carne-ou-peixe/

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[20] http://www.centrowhite.org.br/ellen-g-white/biografia-de-ellen-g-white-1827-1915/

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[21] https://www.medicosadventistas.org/wp-content/uploads/2018/08/Posicionamento-AMA-01-Vegetarianismo.pdf

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[22] http://www.pentagrama.org.br/wp-content/uploads/dlm_uploads/2019/08/o_evangelho_dos_doze_santos.pdf

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[23] https://en.wikipedia.org/wiki/Christian_vegetarianism

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[24] https://www.ramatis.com.br/mentores

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[25] MAES, H.; RAMATÍS (Espírito). O sublime peregrino. 17 ed. Limeira: Conhecimento, 2006.

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[26] MAES, H.; RAMATÍS (Espírito). Fisiologia da Alma. 15 ed. Limeira: Conhecimento, 2002.

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[27] DAMASCENO, J. E OUTROS. Pão vivo. 1 ed. Rio de Janeiro: CRBBM, 2014.

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[28] https://www.crbbm.org/biblioteca-virtual.html#bv02

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[29] SIQUEIRA, E. R.; Alimentação e evolução espiritual. 3 ed. São Paulo: Solidum, 2015. Capítulo VII – “A história dos hábitos alimentares”, item “onívoros”, pp. 179-180.

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[30] XAVIER, F. C.; Espíritos diversos. Antologia Mediúnica do Natal. 6 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. 208 p. Capítulo 78 “Pensamentos do natal” (Espírito Emmanuel), pp. 206.

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[31] XAVIER, F. C.; Espíritos diversos. Antologia Mediúnica do Natal. 6 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. 208 p. Capítulo 44 “Os animais ante o natal” (Espírito Irmão X), pp. 111-112.

[32] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). A Caminho da Luz. 38 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013. 206 p. Capítulo 1 “A gênese planetária”, item “O Divino Escultor”, pp. 21-22.

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[33] KARDEC, A. Revista Espírita de fevereiro de 1868. FEB. Instruções dos Espíritos. Os messias do Espiritismo. Resposta dada pelo espírito Lacordaire.

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[34] XAVIER, F. C.; CASIMIRO CUNHA (Espírito). Cartilha da Natureza: A Criação. Rio de Janeiro: FEB, 2008. 96 p. Capítulo “Os animais”, pp. 25.

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[35] XAVIER, F. C.; Espíritos diversos. Doutrina – escola. Capítulo “Jesus e estudo (I)” (Espírito Emmanuel).

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[36] XAVIER, F. C.; HUMBERTO DE CAMPOS (Espírito). Boa Nova. 37 ed. Brasília: FEB, 2013. Capítulo 30 – “Maria”, pp. 192.

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[37] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Questão 625.

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[38] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). Alvorada do Reino. 1 ed. São Paulo: IDEAL, 1988. 102 p. Capítulo 15 “Na senda de ascensão”, pp. 78-82.

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[39] KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo XVII – Sede perfeitos. Os bons espíritas.

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[40] XAVIER, F. C. EMMANUEL (Espírito). Emmanuel. 27 ed. Brasília: FEB, 2010. Capítulo XXIII “A saúde humana”, p. 161.

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[41] XAVIER, F. C.; Espíritos diversos. Antologia Mediúnica do Natal. 6 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. 208 p. Capítulo 71 “O peru pregador” (Neio Lúcio), pp. 179-180.

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[42] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Questão 888-a) pelo espírito São Vicente de Paulo.

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[43] XAVIER, F. C.; IRMÃO X (Espírito). Pontos e Contos. 13 ed. 2 imp. Brasília: FEB, 2016. 270 p. Capítulo 33 “A dissertação inacabada”, pp. 166.

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[44] XAVIER, F. C.; Espíritos diversos. Cartas do coração. Capítulo “O dom divino” (Espírito Irmão X).

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[45] https://eticaanimalespirita.org/institucional/etica-animal-e-ambiental-espirita/

 


BONS PENSAMENTOS, BONS SENTIMENTOS, BOAS PALAVRAS, BOAS AÇÕES!

 

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