Se a obsessão, como diz Kardec, figura em primeiro plano entre os escolhos da prática mediúnica, não é menos verdade que constitui o mais complexo problema do campo doutrinário.
A classificação sumária de Kardec em três tipos seqüentes de obsessão: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação abrange todo o quadro dos processos obsessivos.
Mas há questões que precisamos encarar em nosso tempo com o máximo de atenção, pois no aceleramento atual da fase de transição que atravessamos, a obsessão abrange todos os setores das atividades humanas, apresentando facetas novas que levam alguns espíritas afoitos a formularem teorias estranhas a respeito. Já vimos que a obsessão decorre de vários fatores e apresenta modalidades bem diferenciadas.
A obsessão tornou-se o mal do século e a desobsessão precisa ser tratada com extrema dedicação pelas instituições doutrinárias, dentro das normas científicas da doutrina, sem desvios para interpretações pessoais desprovidas de uma sólida base experimental.
As técnicas psicológicas e psiquiátricas do restabelecimento do equilíbrio dos pacientes não dão resultados satisfatórios, quando se trata realmente de obsessão.
As sessões mediúnicas de doutrinação comum são de grande importância para prevenção de obsessões e para o restabelecimento final dos casos agudos.
Os que hoje as menosprezam por considerá-las ridículas e portanto nefastas ao bom conhecimento da doutrina, simplesmente não sabem o que fazem.
Há uma conjugação natural entre as sessões de doutrinação e as sessões de desobsessão, pois cabe às primeiras prevenir e até mesmo impedir os casos obsessivos.
É bom lembrar aos críticos dessas sessões tradicionais a prática da terapia de grupo, com o desenvolvimento de psicodramas derivados das sessões espíritas.
As técnicas psicanalíticas devem muito ao Espiritismo, pois Freud tinha apenas um ano de idade quando Kardec acentuou a importância do inconsciente nas chamadas psicoses e neuroses, praticando a catarse em maior profundidade do que a da catarse psicanalítica freudiana.
Os que temem a ocorrência de comunicações anímicas nessas sessões desconhecem o problema do animismo e suas relações com a obsessão.
As obsessões não surgem apenas na fase de eclosão e desenvolvimento da mediunidade.
As mais graves obsessões estão genesicamente ligadas aos problemas anímicos das vítimas.
O espírito reencarna, como ensina Kardec, já trazendo consigo problemas graves de encarnações anteriores.
O obsessor e o obsedado são então os adversários que se lançam no mesmo caminho para acertarem o passo em nova marcha, como advertiu Jesus.
E muitas vezes, como vemos nos Evangelhos, o obsessor se chama Legião, ou seja, não é apenas um, mas sete ou mais, segundo o caso de Madalena.
Como dizer-se, então, segundo modernas e inconseqüentes teorias, que a doutrinação de espíritos sofredores e vingativos cabe ao mundo espiritual e não ao nosso plano?
É nesse plano mesmo que os casos de obsessão precisam ser tratados com a mesma insistência.
Não fosse assim e não haveria lógica no processo reencarnatório.
Uma nova teoria esdrúxula e sem nenhuma prova do passado ou atual, que pretende reduzir o obsessor a apenas um, e que este exerce uma função de amparo ao obsedado, para que outros obsessores piores não o dominem, é gratuita e contrária aos princípios doutrinários e evangélicos.
A obsessão inata corresponde aos casos psiquiátricos de desequilíbrio chamados constitucionais.
Psiquiatricamente esses casos só podem ser atenuados, jamais curados.
Mas, para a Ciência Espírita, esses casos não são constitucionais e podem ser curados com o afastamento do obsessor.
O fato de permanecerem juntos nessa encarnação, mostra uma ligação anterior e negativa entre eles, que deve ser resolvida no presente.
Por exemplo, os casos de homossexualismo adquirido, não congênito ou constitucional, da classificação psiquiátrica, decorrem de fatores educacionais mal dirigidos ou de influências diversas posteriores ao nascimento, que dão motivo à sintonia do paciente com espíritos obsessores vampirescos.
O problema sexual é extremamente melindroso, pois tanto o homem como a mulher dispõe de tendências de ambos os sexos, podendo cair em desvios provocados por excitações do após nascimento.
No alcoolismo temos situação idêntica: tendências inatas e tendências adquiridas, que atraem obsessores.
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Em todos os campos de atividades viciosas os obsessores podem ser atraídos pelos obsedados que se deixarem levar por excitações do meio em que se educaram ou em que vivem.
As más companhias que influem no ânimo de crianças, adolescentes e jovens, e até mesmo em adultos, podem levar qualquer pessoa a situações penosas, e não são apenas companhias encarnadas, mas também espíritos viciosos.
O simples fato de morrer não modifica ninguém.
O sensual continua sensual depois da morte, o alcoólatra não perde seu vicio, o bandido continua bandido.
A morte é apenas a libertação do corpo material. Um descondicionamento, como diz Chico Xavier.
Liberto do escafandro de carne e osso, a criatura humana sente-se em seu corpo espiritual, que é o perispirito, modelo energético do corpo que deixou na Terra e responsável por todas as funções vitais daquele corpo.
Dessa maneira, sentindo-se vivo e consciente de si mesmo, o espírito continua apegado ao plano terreno, embora já esteja na zona espiritual da crosta terrena.
Descobre que não pode mais obter as coisas materiais, mas descobre naturalmente que pode sentir as sensações do mundo através dos que continuam encarnados.
Por isso é atraído por alguém que possa dar-lhe as sensações desejadas, aproxima-se dele ou dela e estabelece-se entre ambos a indução mediúnica do vampirismo.
A obsessão vampiresca é a mais difícil de se combater.
Obsessor e obsedado formam uma unidade sensorial dinâmica, apegada às sensações grosseiras do corpo material.
O cadáver do obsessor se desfaz na terra, mas o corpo do obsedado socorre as exigências sensuais do desencarnado.
É isso o que o povo chama de encosto, um espírito inferior que encosta numa pessoa.
Forma-se o automatismo da indução: o espírito deseja as sensações e esse desejo se transmite ao ser encarnado que procura satisfazê-lo.
Estabelecido esse ritmo de trocas, um pertence ao outro e dele depende.
A desobsessão é dificílima nesses casos, pois ambos são criaturas humanas dotadas de livre-arbítrio.
Se os dois recusaram a doutrinação, esta muitas vezes parece inútil, ineficaz.
Se um deles aceitar a doutrinação, o afastamento do obsessor torna-se possível.
Se ambos a aceitarem, a desobsessão se realiza com facilidade, às vezes, surpreendente.
Então os espíritos bons se incumbem de encaminhar o obsessor e os homens devem cuidar do obsedado.
É necessário o maior cuidado com este, para que ele, nos seus anseios viciosos, não atraía outros obsessores.
Por isso Jesus disse que, limpa e arrumada a casa, o espírito inferior convida sete companheiros e todos irão habitá-la, de maneira que o estado do obsedado se torna ainda pior do que antes.
Foi, certamente, apoiada nesse ensino mal interpretado que surgiu a teoria absurda do obsessor-protetor.
Mas o que Jesus disse era uma advertência aos responsáveis pelo obsedado, que dele deviam cuidar para que não caísse de novo no erro e no vício.
Muita gente pergunta como podem os espíritas, em minoria na Terra, atender através de suas sessões o número imenso de obsessões que nela existe.
Nenhum espírita esclarecido se julga incumbido de socorrer a todos os obsedados.
O trabalho maior é realizado pelos espíritos incumbidos dessa tarefa no mundo espiritual.
As sessões se destinam ao atendimento de casos relacionados com pessoas que recorrem aos grupos e centros espíritas.
Mais, particularmente, destina-se aos casos de mediunato, em que os médiuns são espíritos que se compromissaram, em vidas anteriores, com criaturas que submeteram ao seu capricho, tendo agora o dever de socorrê-las através de sua mediunidade.
A lei do amor rege as relações humanas nos dois lados da vida.
A consciência do carrasco exige a sua abnegação em favor das vítimas que atirou nos descaminhos do mundo.
Não se resgatam os crimes somente através de outros crimes, mas também e principalmente através do socorro do criminoso à sua vítima do passado.
É assim que os dois acertam os seus passos na vida material através da mediunidade, uma função redentora nas sessões de doutrinação e desobsessão.
Há uma tendência ao formalismo igrejeiro no Espiritismo, cultivada por adeptos que prezam mais as aparências do que a verdade.
O desejo de fazer da doutrina uma elaboração refinada, com requintes e etiquetas sociais na sua prática, leva muita gente a aceitar inovações que, no entanto, só fazem rebaixá-la.
Esquecem-se da afirmação categórica de Kardec:
O Espiritismo é uma questão de fundo e não de forma.
Tentam organizá-la em sistemas hierárquicos, dotá-la das chamadas autoridades doutrinárias, impondo ao meio espírita uma disciplina cheia de exigências protocolares que lhe tirariam o aspecto de simplicidade e naturalidade que a caracteriza.
As sessões de doutrinação e desobsessão incomodam essas criaturas, que só querem receber comunicações tranqüilas de Espíritos Superiores, que lhes proporcionem os deleites de oratória sofisticada.
Por isso, aceitam e aplaudem medidas antiespíritas de supressão das referidas sessões, em que, em geral, a maioria dos comunicantes são espíritos sofredores ou revoltados.
Se conseguissem o seu intento, transformariam as sessões em tertúlias literárias do século XVIII, com elogios mútuos e retórica envelhecida, destinadas a atrair criaturas de elite.
A denominação de oradores, para os que falam sobre a doutrina, foi racionalmente mudado para expositores.
Esse atrevimento das pessoas práticas foi logo revidado com a adoção de um título mais pomposo: o de tribunos espíritas.
Em certos Centros, chegou-se a mandar cortar os encostos dos bancos, tornando-os incômodos, para que os médiuns se mantenham eretos como soldados em posição de sentido.
Nas instituições maiores complicaram tudo, dificultando o acesso do povo aos dirigentes e estabelecendo cartões de controle para os passes.
Nas próprias casas de assistência a pobreza foram estabelecidos regimes disciplinares que mataram a espontaneidade amorosa da boa e antiga caridade.
Já se tentou até mesmo substituir as expressões caridade e assistência por serviço social.
Tudo isso e suas conseqüências criam o clima propício às desfigurações do meio doutrinário e às tentativas de adulteração das próprias obras básicas, consideradas como superadas.
É a rede das obsessões coletivas lançada ao mar por pescadores astutos, através da tendência ao refinamento formal das pessoas apegadas as aparências de falso brilho.
O requinte do ambiente excita a vaidade dos dirigentes e até mesmo dos servidores das instituições, que acabam se fantasiando de mordomos de castelos imperiais.
Esse é um tipo de obsessão sutil que se infiltra lentamente nos ambientes ansiosos por brilharecos sem sentido, levando os novos fariseus e seus admiradores ingênuos a perder as medidas do bom senso.
Criam-se, dessa maneira, focos obsessivos em que as mistificações desbordantes em palavrórios enganadores são finalmente sobrepostos às obras fundamentais.
Criado o foco obsessivo, os mentores da Treva sentam-se em suas poltronas suntuosas e passam a ditar as modificações necessárias.
A expressão mentor, arrogante e agressiva, substitui a expressão amorosa de protetor e lá se vai por água abaixo a pureza da doutrina, na lama vaidosa das inovações doutrinárias, das pretensões direcionais, das condenações disto e daquilo, nos delírios do messianismo espúrio.
Essa obsessão coletiva não tem solução.
Foi ela quem transformou a Casa do Caminho, de Jerusalém, no Estado Teocrático do Vaticano.
Iludem-se os que pensam que o Espiritismo se engrandece com as pompas terrenas.
Jesus não foi sacerdote do Templo e Kardec nunca trocou a sua morada humilde da Rua dos Mártires, em Paris, pelo Palácio de Versalhes.
Nem um nem outro veio falar aos poderosos do mundo, mas aos sofredores necessitados de consolação.
Quem não entende isso nunca assimilará a mensagem do Espiritismo, a não ser depois de encarnações expiatórias e redentoras.
A obsessão vigia os indivíduos e os grupos espíritas em cada encruzilhada de gerações.
Vale mais um pequeno Centro que cuida dos obsedados do que uma suntuosa instituição em que os tribunos retumbantes, enchem, os salões suntuosos com seu palavrório vazio.
Cala mais no coração humano um gesto de humildade pura do que a retórica antiquada dos tribunos missionários.
As grandezas terrenas só agradam aos obsessores, enquanto os obsedados pedem a misericórdia de uma palavra de amor.
J. Herculano Pires
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