Entre a Terra e o Céu

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Entre a Terra e o Céu

Entre a Terra e o Céu - André Luiz - Francisco Cândido Xavier - 1954 - Edição FEB

Capitulo 33 - Aprendizado ...

Em muitas ocasiões, por trás do anseio de união conjugal, vibra o passado, através de requisições dos amigos ou inimigos desencarnados, aos quais devemos co­laboração efetiva para a reconquista do veículo carnal. A inquietação afetiva pode expressar es­curos labirintos da retaguarda...

Refletindo nas lutas da alma, atirada às ex­periências da vida com tantos enigmas a solver, acudiu-me à lembrança antiga questão que habi­tualmente me vinha à cabeça.

—  E os anjos de guarda? — inquiri.


Diante da surpresa que assomou ao semblante do nosso orientador, acentuei, reverente:

—  Perdoe-me, mas ainda sou estudante inci­piente da vida espiritual. Os anjos de guarda estão em nossa esfera?

Clarêncio encarou-me, admirado, e sentenciou:

— Os Espíritos tutelares encontram-se em to­das as esferas, contudo é indispensável tecer algu­mas considerações sobre o assunto, Os anjos da sublime vigilância, analisados em sua excelsitude divina, seguem-nos a longa estrada evolutiva.


Des­velam-se por nós, dentro das Leis que nos regem, todavia, não podemos esquecer que nos movimen­tamos todos em círculos multidimensionais.


A cadeia de ascensão do espírito vai da intimidade do abismo à suprema glória celeste.

Ligeira pausa trouxe paternal sorriso aos lá­bios do instrutor, que prosseguiu:

— Será justo lembrar que estamos plasmando nossa individualidade imperecível no espaço e no tempo, ao preço de continuadas e difíceis experiên­cias.

A ideia de um ente divinizado e perfeito, invariavelmente ao nosso lado, ao dispor de nossos caprichos ou ao sabor de nossas dívidas, não con­corda com a justiça.

Que governo terrestre desta­caria um de seus ministros mais sábios e especia­lizados na garantia do bem de todos para colar-se, indefinidamente, ao destino de um só homem, qua­se sempre renitente cultor de complicados enigmas e necessitado, por isso mesmo, das mais severas lições da vida?


porque haveria de obrigar-se um arcanjo a descer da Luz Eterna para seguir, passo a passo, um homem deliberadamente egoísta ou preguiçoso?


Tudo exige lógica, bom-senso.

— Com semelhante apontamento quer dizer que os anjos de guarda não vivem conosco?

— Não digo isso — asseverou o benfeitor.

E, com graça, aduziu:

— O Sol está com o verme, amparando-o na furna, a milhões e milhões de quilômetros, sem que o verme esteja com o Sol.

As irmãs que seguiam conosco, lado a lado, embevecidas na contemplação do céu, comentavam carinhosamente o porvir de Júlio, psiquicamente distanciadas de nossa conversação.

O  apontamento de nosso orientador impunha-nos graves reflexões e, talvez por esse motivo, o silêncio tentou apossar-se do grupo, mas Clarêncio, reconhecendo que o assunto demandava elucidação mais ampla, continuou:

— Anjo, segundo a acepção justa do termo, é mensageiro.


Ora, há mensageiros de todas as condições e de todas as procedências e, por isso, a antigüidade sempre admitiu a existência de anjos bons e anjos maus.


Anjo de guarda, desde as con­cepções religiosas mais antigas, é uma expressão que define o Espírito celeste que vigia a criatura em nome de Deus ou pessoa que se devota infini­tamente a outra, ajudando-a e defendendo-a.


Em qualquer região, convivem conosco os Espíritos fa­miliares de nossa vida e de nossa luta.


Dos seres mais embrutecidos aos mais sublimados, temos a corrente de amor, cujos elos podemos simbolizar nas almas que se querem ou que se afinam umas com as outras, dentro da infinita gradação do pro­gresso.


A família espiritual é uma constelação de Inteligências, cujos membros estão na Terra e nos Céus.


Aquele que já pode ver mais um pouco au­xilia a visão daquele que ainda se encontra em luta por desvencilhar-se da própria cegueira.


Todos nós, por mais baixo nos revelemos na escala da evolução, possuímos, não longe de nós, alguém que nos ama a impelir-nos para a elevação. Isso pode­mos verificar nos círculos da matéria mais densa.


Temos constantemente corações que nos devotam estima e se consagram ao nosso bem.


De todas as afeições terrestres, salientemos, para exemplificar, a devoção das mães.


O espírito maternal é uma espécie de anjo ou mensageiro, embora muita vez circunscrito ao cárcere de férreo egoísmo, na custó­dia dos filhos.


Além das mães, cujo amor padece muitas deficiências, quando confrontado com os princípios essenciais da fraternidade e da justiça, temos afetos e simpatias dos mais envolventes, capazes dos mais altos sacrifícios por nós, não obstante condicionados a objetivos por vezes egoís­ticos.


Não podemos olvidar, porém, que o admi­rável altruísmo de amanhã começa na afetividade estreita de hoje, como a árvore parte do embrião.


Todas as criaturas, individualmente, contam com louváveis devotamentos de entidades afins que se lhes afeiçoam.


A orfandade real não existe. Em nome do Amor, todas as almas recebem assistên­cia onde quer que se encontrem. Irmãos mais ve­lhos ajudam os mais novos.

Mestres inspiram discípulos. Pais socorrem os filhos. Amigos ligam-se a amigos. Companheiros auxiliam companheiros.


Isso ocorre em todos os planos da Natureza e, fatalmente, na Terra, entre os que ainda vivem na carne e os que já atravessaram o escuro passadiço da morte.


Os gregos sabiam disso e recorriam aos seus gênios invisíveis.


Os romanos compreendiam essa verdade e cultuavam os numes domésticos.


O gênio guardião será sempre um Espírito benfazejo para o protegido, mas é imperioso anotar que os laços afetivos, em torno de nós, ainda se encontram em marcha ascendente para mais altos níveis da vida.


Com toda a veneração que lhes devemos, importa reconhecer, nos Espíritos familiares que nos protegem, grandes e respeitáveis heróis do bem, mas ainda singularmente distanciados da an­gelitude eterna.


Naturalmente, avançam em linhas enobrecidas, em planos elevados, todavia, ainda sen­tem inclinações e paixões particulares, no rumo da universalização de sentimentos.


Por esse mo­tivo, com muita propriedade, nas diversas escolas religiosas, escutamos a intuição popular asseve­rando: — «nossos anjos de guarda não combinam entre si», ou, ainda, «façamos uma oração aos an­jos de guarda», reconhecendo-se, instintivamente, que os gênios familiares de nossa intimidade ainda se encontram no campo de afinidades específicas, e precisam, por vezes, de apelos à natureza superior para atenderem a esse ou àquele gênero de serviço.


Chegávamos ao Lar da Bênção e os esclareci­mentos do instrutor represavam-se em nossa alma, por inesquecível preleção, compelindo-nos a grande silêncio.

Blandina, porém, veio até nós e perguntou ao orientador, sensibilizada:

— Generoso amigo, podemos estar realmente convictos de que Júlio devia desencarnar, agora?

— Perfeitamente. A Lei funcionou, exata. Não há lugar para qualquer dúvida.

— E aqueles jatos de pensamento escuro que partiram do enfermeiro, como que envenenando o nosso doentinho?

— Se não estivéssemos junto dele — disse o Ministro —, teriam efetivamente abreviado a mor­te da criança e, ainda assim, a Lei ter-se-ia cum­prido; entretanto, aqueles pensamentos escuros de Mário voltaram para ele mesmo.


Emitiu-os, com o evidente propósito de matar e, em razão disso, experimenta o remorso de um autêntico assassino.


A graciosa residência de Blandina, para onde nos encaminhávamos, estava agora à nossa vista.

Clarêncio afagou-a, bondoso, e concluiu:

—  Permaneçamos convencidos, minha filha, de que, em qualquer lugar e em qualquer tempo, re­ceberemos da vida, de acordo com as nossas pró­prias obras.